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sexta-feira, 28 de setembro de 2018

Venezuela: Por que Brasil ficou fora de pedido de investigação por abuso a direitos humanos

Leia também: LITURGIA DA PALAVRA

Nicolás Maduro discursa na Assembleia Geral da ONUDireito de imagemREUTERS
Image captionMaduro afirmou que a Venezuela é vítima de uma conspiração: 'A Venezuela caminha com seus próprios pés... e nunca ficará de joelhos'
Na quarta-feira, os governos da Argentina, Chile, Colômbia, Paraguai, Peru e Canadá pediram ao Tribunal Penal Internacional (TPI) que investigue supostos crimes contra a humanidade e abusos aos direitos humanos ocorridos na Venezuela desde 12 de abril de 2014 sob o governo de Nicolás Maduro.
Um dia depois, na quinta-feira, os seis países motivaram também a apresentação de uma resolução no Conselho de Direitos Humanos da ONU que pedia a cooperação da Venezuela nos esforços para aplacar a crise humanitária no país. Ela foi aprovada por 23 países, incluindo o Brasil (outros 7 países foram contrários, e 17 se abstiveram).
Se votou pela aprovação da resolução, por que, porém, o Brasil não se juntou ao grupo de países que protagonizou as ações - uma vez que é uma potência regional e já liderou iniciativas marcantes que questionaram o regime de Maduro?
"É difícil precisar porque algo não aconteceu, deixou de acontecer. Mas uma das questões que me permite imaginar esta ausência é que o Brasil parece estar adotando uma postura menos frontal, de descompressão da animosidade. Estamos com um problema sério na fronteira, que vem afetando o fornecimento de energia e o fluxo migratório", aponta Leandro Consentino, especialista em relações internacionais do Insper.
Consentino exemplifica esta sinalização menos incisiva com o encontro, planejado para esta sexta-feira, entre os ministros das Relações Exteriores do Brasil e da Venezuela - Aloysio Nunes e Jorge Arreaza.

'Persona non grata': o rompimento temporário das relações diplomáticas Brasil-Venezuela

A reunião sucede um hiato de reuniões entre chanceleres desde que as relações diplomáticas entre os dois países foram suspensas temporariamente em dezembro - quando o embaixador brasileiro em Caracas foi expulso e tratado como "persona non grata". O regime de Maduro justificou a decisão comentando fatos da política interna brasileira, como o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff.
Em relação à crise humanitária e política da Venezuela, o Brasil protagonizou acusações frequentes em plenárias da Organização dos Estados Americanos (OEA).
Em 2016, o Brasil, em conjunto com outros países, liderou a aprovação da suspensão da Venezuela, por tempo indeterminado, do Mercosul. Um novo bloqueio do tipo foi aprovado no bloco novamente em 2017.
Mas, em entrevista exclusiva à BBC News Brasil em Nova York, Nunes optou por um tom moderado e afirmou nesta quinta-feira que "não há hostilidade" entre os países.
"Temos relações diplomáticas e não há razão para negar os encontros (como o com Jorge Arreaza). Temos uma fronteira bastante extensa, uma comunidade brasileira importante morando lá, três consulados, uma imigração sem uma dimensão dramática como a que existe em direção a outros países", afirmou o chanceler brasileiro.
Consentino aponta que a suspensão do Mercosul foi uma sinalização forte enviada pelo Brasil, que no entanto pode estar agora apostando mais no diálogo.
"Hoje o tom é mais brando. Talvez justamente para que a política não contamine as trocas comerciais e outras negociações", aponta o pesquisador do Insper.
Um soldado trabalha no controle do fluxo de imigrantes em RoraimaDireito de imagemREUTERS
Image captionSoldado trabalha no controle do fluxo de imigrantes em Roraima; crise na Venezuela coloca na ordem do dia da relação bilateral com Brasil a ajuda humanitária e relações comerciais
Oliver Stuenkel, professor adjunto de Relações Internacionais na Fundação Getúlio Vargas (FGV), concorda que o Brasil tem preferido o caminho do multilateralismo em fóruns regionais em detrimento de ações como a que recorreu ao Tribunal Penal Internacional.
"O Brasil está no Grupo de Lima (organização criada em 2017 para buscar soluções para a crise venezuelana) e tem condenado com frequência violações no país. A estratégia tem sido como a de outros países da região, de condenar, nos fórus internacionais, a ruptura democrática, mas sem impor sanções", aponta Stuenkel.
"O mais importante é que, apesar de todos estes avanços institucionais, a América Latina não conseguiu impactar de maneira eficaz na situação venezuelana. Ao meu ver, hoje, qualquer atuação será de natureza paliativa. Hoje não vejo ninguém com capacidade de reiniciar um diálogo positivamente."
Uma fonte que preferiu não se identificar apontou ainda que a diplomacia brasileira decidiu não se juntar aos seis países que recorreram ao TPI por avaliar que, caso a acusação contra Maduro avance no tribunal, uma condenação o impediria de sair do país - sob o risco eventual de ser preso nos países signatários do Estatuto de Roma, em que a corte tem jurisdição.
Assim, estaria afastada uma solução para a crise venezuelana que pudesse envolver a remoção de Maduro - algo conhecido como uma "saída honrosa".

Ineditismo em Haia

O desenrolar no TPI ainda é bastante incerto - afinal, nunca na história deste tribunal, sediado em Haia, na Holanda, e fundado em 2002, representantes de Estados membros pediram a abertura de um procedimento contra representantes de outro país membro.
"A novidade deste processo é que aqueles que fizeram a denúncia são chefes de Estado e de governo. Os casos anteriores foram oriundos do trabalho de documentação feito por organizações de direitos humanos, que levaram os resultados ao tribunal", explica Juan Navarrete, ex-representante do Instituto Interamericano de Direitos Humanos na Colômbia em conversa com a BBC News Mundo, serviço em espanhol da BBC.
O especialista enfatiza que, diferentemente dos casos que são processados por outras organizações, como a Corte Interamericana de Direitos Humanos, nos julgamentos perante o TPI a responsabilidade não é do Estado, mas individual. A acusação apresentada no TPI recai sobre 11 pessoas, incluindo Maduro e membros das Forças Armadas.
"Embora se fale da denúncia contra a Venezuela, não se trata de uma ação contra o Estado venezuelano, mas contra as pessoas denunciadas por violações dos direitos humanos e crimes contra a humanidade. Embora mencione Maduro, a investigação sempre afeta toda uma cadeia de comando que tornou esses eventos possíveis", acresenta Navarrete.
O chanceler brasileiro Aloysio NunesDireito de imagemAFP
Image caption'Temos relações diplomáticas e não há razão para negar os encontros', disse o chanceler Aloysio Nunes à BBC News Brasil
O pedido de investigação contra a Venezuela se baseia, entre outros elementos, em três relatórios sobre violações de direitos humanos naquele país preparados pela ONU, a Organização dos Estados Americanos (OEA) e a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH).
Segundo Fernando Fernández, professor de Direito Penal Internacional da Universidade Central da Venezuela, procedimentos no TPI podem durar anos. Isto depende, em parte, da colaboração dos envolvidos.
Fernandéz lembra do caso do presidente do Sudão, Omar al-Bashir.
Em 2008, a Procuradoria do TPI acusou o líder sudanês por crimes de guerra cometidos na região de Darfur.
Al-Bashir tornou-se assim o primeiro chefe de Estado em exercício a ser imputado por essa instância.
O governo sudanês rejeitou as acusações e não quis colaborar com o processo, para o qual al-Bashir ainda não pôde ser julgado.
Isso, no entanto, não o impediu de viver alguns percalços. O TPI emitiu contra ele dois mandados de prisão, em 2009 e 2010, dificultando viagens para o exterior.
Em 2015, por exemplo, al-Bashir teve que sair às pressas da África do Sul, onde participava de uma cúpula da União Africana. Ele escapava da ordem de um juiz local, que acatou a ordem de prisão expedida pelo TPI.
Os representantes do tribunal afirmam que todos os signatários do Estatuto de Roma, que o estabeleceu, são obrigados a cumprir suas ordens.
Até agora, o presidente sudanês escapou da captura e continuou a viajar, sobretudo na África e na Ásia. No entanto, não pisou nos Estados Unidos, na Europa Ocidental e em outros países onde o risco de ser detido é maior.
Nicolás Maduro fala em reunião observado por outras pessoas no Palácio MirafloresDireito de imagemREUTERS
Image captionEm ação inédita, seis países apresentaram a tribunal internacional denúncia contra líder venezuelano

Assembleia Geral da ONU discute a Venezuela

Também na Assembleia Geral da ONU, a crise na Venezuela esteve na pauta esta semana.
O presidente dos EUA, Donald Trump, anunciou a imposição de novas sanções contra o país sul-americano e falou que o regime de Maduro poderia ser "muito rapidamente" derrubado por seus próprios militares caso estes decidissem agir assim.
"Hoje, o socialismo levou uma nação rica em petróleo à falência e levou a sua população à pobreza extrema", disse Trump. "Pedimos às nações reunidas aqui hoje que clamem pela restauração da democracia na Venezuela".
Em uma aparição "surpresa", Maduro por sua vez falou na ONU que seu governo é vítima de uma conspiração internacional.
"As oligarquias do continente - e aqueles que a comandam desde Washington - querem o controle político da Venezuela", afirmou o venezuelano. "A Venezuela caminha com seus próprios pés... e nunca ficará de joelhos".
Já o presidente do Brasil, Michel Temer, criticou medidas isolacionistas entre países e citou a Venezuela, sem, no entanto, citar diretamente a condução política do país. O presidente mencionou o compromisso brasileiro com as instituições democráticas e os direitos humanos.
"Estima-se em mais de um milhão os venezuelanos que já deixaram seu país em busca de condições dignas de vida. O Brasil tem recebido todos os que chegam a nosso território. São dezenas de milhares de venezuelanos a quem procuramos dar toda a assistência", disse Temer.
"Sabemos que a solução para a crise apenas virá quando a Venezuela reencontrar o caminho do desenvolvimento."
*Com informações de Ángel Bermúdez, da BBC News Mundo; colaborou Ingrid Fagundez, da BBC News Brasil em São Paulo

Fonte https://www.bbc.com/portuguese/internacional-45673750

segunda-feira, 24 de setembro de 2018

Os alimentos alternativos que podem revolucionar as dietas do futuro

Leia também: LITURGIA DA PALAVRA

Folhas de moringa e moringa em póDireito de imagemGETTY IMAGES
Image captionAs folhas de moringa são ricas em vitaminas A, B e C, e mineirais; o Centro de Alimentos para o Futuro que popularizar cultivos esquecidos
No interior de três estufas gigantes, futuristas e prateadas, um grupo de cientistas tenta mudar o futuro dos alimentos.
Estamos na sede da Crops for the Future (Centro de Alimentos para o Futuro, em tradução livre, ou CFF, na sigla em inglês), uma organização internacional de pesquisa agronômica, que fica nos arredores de Kuala Lumpur, a capital da Malásia.
Aqui, eles tentam revolucionar a alimentação humana com cultivos ignorados - que eles descrevem como esquecidos, pouco usados ou mesmo "alternativos
"Tudo o que você vê aqui são cultivos esquecidos", diz Sayed Azam Ali, diretor do CFF, enquanto mosstra à BBC uma enorme variedade de plantas nos jardins do centro do edifício.
De acordo com Azam Ali, só quatro produtos - trigo, milho, arroz e soja - correspondem a dois terços da oferta mundial de alimentos.
"Dependemos destes quatro cultivos, mas há cerca de 7 mil que a humanidade conhece e planta há milhares de anos. E eles estão sendo ignorados."
A CFF acredita que alguns deles, especialmente, deveriam passar fazer parte da nossa dieta nos próximos anos.
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1. Cajá-manga

Esta fruta tropical, Spondias dulcis, é conhecida como kedondong na Indonésia, periba no Peru e cajá-manga ou cajarana no Brasil. Ela é originária da Polinésia, e daí foi introduzida a regiões tropicais das Américas, da Ásia e da África.
Em território brasileiro, é encontrada principalmente na região Nordeste.
Salada de frutas com cajá-mangaDireito de imagemGETTY IMAGES
Image captionO cajá-manga é consumido na Ásia em saladas de frutas, mas também está presente no Nordeste brasileiro
Cajás-manga na árvoreDireito de imagemGETTY IMAGES
Image captionO CFF tenta transformar o cajá-manga em uma bebida efervescente, que tem pouco açúcar e muita vitamina C
O cajá-manga contém vitamina C, cálcio, fósforo e ferro, entre outros nutrientes. Sua polpa pode ser consumida em saladas de fruta, em calda, como purê, sucos e geleias.
O CFF está tentando transformar a fruta em uma bebida efervescente, livre de açúcar e com alta concentração de vitamina C.

2. Moringa

A árvore Moringa oleifera, também chamada de Acácia-branca, é natural do norte da Índia, da Etiópia, das Filipinas e do Sudão, mas pode ser encontrada na América Latina, especialmente em Cuba, República Dominicana, Paraguai e Argentina.
A Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO) diz que suas folhas "são ricas em proteínas, vitaminas, A, B e C e minerais: muito recomendáveis para mulheres grávidas lactantes, assim como para crianças pequenas".
Bebida com pó de moringaDireito de imagemGETTY IMAGES
Image captionOs produtos derivados da moringa têm propriedades antibióticas e as sementes da planta são usadas para problemas circulatórios
As folhas, com alto conteúdio de cálcio e ferro, podem ser usadas como equivalente do espinafre.
Além disso, a planta tem propriedades medicinais. De acordo com a FAO, os produtos derivados da moringa têm propriedades antibióticas. As sementes da planta também são usadas no tratamento de problemas circulatórios.
Folhas de moringaDireito de imagemGETTY IMAGES
Image captionNo CFF, chefes e pesquisadores fazem bolos de moringa, que contém nível baixo de glúten e alto conteúdo nutricional
A especialista em tecnologia de alimentos Tan Xin Lin, do CFF, mostrou à BBC como preparar uma massa verde brilhante com pó de moringa.
Xin Lin usa folhas de moringa pulverizadas em lugar de farinha para fazer bolos com nível baixo e glúten e alto conteúdo nutricional.

3. Feijão-bambara

Esta planta, Vigna subterranea, é uma leguminosa rica em proteína nativa da África sub-saariana, que também cresce em algumas regiões do sudeste asiático.
Ela é resistente a altas temperaturas e cresce mesmo em solos pobres em nutrientes. Suas vagens crescem sob a terra, de maneira semelhante ao amendoim.
Feijões-bambaraDireito de imagemGETTY IMAGES
Image captionO feijão-bambara cresce mesmo em solos pobres e é resistente a altas temperaturas
Guisado de porco com feijões-bambaraDireito de imagemGETTY IMAGES
Image captionEste é um guisado de porco com feijão-bambara, feito pelo CFF; a organização tenta reintroduzir a leguminosa na dieta das pessoas com receitas novas
Por ser uma leguminosa, essa planta melhora a fertilidade do solo naturalmente. As plantas fixadoras de nitrogênio, como ela, abrigam bactérias e fungos capazes de transformar o nitrogênio do ar em material disponível para as plantas.
Uma das receitas mais bem-sucedidas do CFF é o murukku de bambara, uma espécie de sanduíche crocante e de textura amanteigada comum na Índia.
Azam Ali tenta convencer potenciais investidores em produtos de feijão-bambara citando o sucesso de cultivos como a quinua, que há 30 anos era praticamente desconhecida fora de seus territórios nativos na Bolívia e no Peru.
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Segurança alimentar

O trabalho do CFF para popularizar os cultivos esquecidos é mais urgente do que nunca. O setor de alimentos já é responsável por dois terços das emissões globais de gases estufa, segundo a FAO.
No entanto, será necessário aumentar em 50% a produção mundial de alimentos, para dar resposta ao crescimento da população mundial, de acordo com a organização.
As projeções da ONU indicam que a população global, atualmente em 7,2 bilhões de pessoas, chegará a 9,7 bilhões em 2050.
Satisfazer essa demanda sem agravar as mudanças climáticas, prejudicar mais a biodiversidade e destruir ecossistemas exige soluções criativas.
E um elemento chave nessas soluções devem ser os cultivos esquecidos, de acordo com o CFF.
Azam Ali garante que ao investir em plantas locais, os países podem reduzir sua dependência de alimentos importados e sua pegada de carbono.
Os cultivos esquecidos também fortalecem a segurança alimentar diante da frequência de eventos climáticos extremos associados ao aquecimento global.
Sobremesa feita com o pó de moringaDireito de imagemGETTY IMAGES
Image captionUm dos ingredientes desta sobremesa é o pó de moringa; diversificar a dieta com cultivos esquecidos é fundamental para responder ao aumento da população mundial, segundo o CFF
Além de todas estas razões, não devemos esquecer que os alimentos alternativos, como o cajá-manga, são mais resistentes às mudanças climáticas do que outras plantas e são altamente nutritivas, segundo o diretor do CFF.
"A diversificação da dieta com estes alimentos é crítica para o futuro da humanidade", afirma Azam Ali,

Fonte https://www.bbc.com/portuguese/geral-45596520

domingo, 23 de setembro de 2018

Por que os ‘vistos gold’, muito visados por brasileiros, viraram centro de polêmica em Portugal

Leia também: LITURGIA DA PALAVRA

Imagem mostra o horizonte de Lisboa, capital de Portugal, repleto de imóveis e gruas usadas pela construção civil, em referência ao aquecimento do mercado imobiliárioDireito de imagemGETTY IMAGES
Image captionO visto dourado garante residência permanente em Portugal e, depois de seis anos, a possibilidade de cidadania. Para obtê-lo, é preciso investir em imóveis ou na economia de forma geral. Estima-se que a estratégia reaqueceu o mercado, e fez também os preços dispararem
Em Lisboa, capital de Portugal, o incorporador imobiliário Pedro Vicente teme que o volume de negócios de sua empresa esteja prestes a sofrer um baque. "Perderíamos 30% do nosso negócio se os vistos gold fossem abolidos", calcula ele, referindo-se ao visto que tem atraído cada vez mais dinheiro ao país, principalmente de chineses e brasileiros, e ao risco que vê no horizonte de essa via - que tem o setor imobiliário como o maior beneficiado - estar com os dias contados.
Na prática, um projeto de lei pede a extinção desse tipo de visto, apontando supostos riscos associados ao sistema de concessão e pondo em dúvida os reais benefícios que os investimentos decorrentes dele têm gerado para a economia.
Mas o que motiva a polêmica e quais são os argumentos contra e a favor?
A BBC News mostra a seguir.

Os vistos gold

O chamado regime de Autorização de Residência para Atividade de Investimento, por meio do qual os vistos gold são concedidos, foi criado em 2012 para atrair investidores estrangeiros a Portugal e movimentar o mercado interno do país, então mergulhado em uma crise.
O mecanismo exige que os investidores aportem milhares de euros - o equivalente a milhões de reais - em áreas como imóveis, fundos de investimento, pesquisa científica ou no apoio, por exemplo, à produção artística. Em contrapartida, eles podem obter residência permanente no território português e, depois de seis anos, a cidadania.
No total, esse regime já atraiu ao país mais de 3,9 bilhões de euros (R$ 18,76 bilhões) em investimento estrangeiro, segundo o governo. E isso levou a um boom imobiliário em Lisboa e na cidade do Porto.
Portugueses protestando contra os termos do resgate financeiro de 2011 no país, por causa da criseDireito de imagemAFP
Image captionPortugal precisou de um resgate financeiro e de medidas de austeridade para se recuperar da crise financeira em que o país estava mergulhado, e tais medidas desencadearam protestos e fizeram os investimentos no mercado interno despencarem

Os investimentos

Um total de 6.416 pessoas já solicitaram com sucesso um dos chamados vistos gold.
Apenas em 2017 os investimentos superaram 840 milhões de euros (o equivalente a mais de R$ 4 bilhões) e neste ano, entre janeiro e agosto, eles somaram 555,84 milhões de euros (R$ 2,67 bilhões).
Os brasileiros estão em segundo lugar no ranking dos estrangeiros que mais investem no país por meio desse regime - atrás dos chineses -, com desembolsos que representaram 21% do bolo total dos investimentos no ano passado e 15% neste ano.
África do Sul, Turquia e Vietnã completam as nacionalidades principais em 2018.
Cerca de 95% dos pedidos de residência feitos por meio do regime envolvem investimentos voltados ao setor de imóveis.
Entre as vias que os interessados podem escolher estão, por exemplo, a compra de casas ou apartamentos com valor igual ou superior a 500 mil euros (o equivalente a R$ 2,4 milhões); o desembolso de 1 milhão de euros (R$ 4,81 milhões) ou mais em outras áreas da economia, ou criar um negócio que empregue 10 ou mais pessoas.
Pessoas em pé de frente a um edifício em reforma no centro de LisboaDireito de imagemDIANA GUERRA/CONTRAMAPA
Image captionMuitas áreas de Portugal viraram canteiros de obra e parte desse movimento é atribuído aos vistos dourados
Outra possibilidade é a aquisição de bens imóveis, cuja construção tenha sido concluída há, pelo menos, 30 anos ou localizados em área de reabilitação urbana, e realização de obras de reabilitação dos imóveis adquiridos no montante global igual ou superior a 350 mil euros (R$ 1,68 milhão).
O investidor também tem outros caminhos, como aplicar cifra semelhante - 350 mil euros ou mais - em pesquisa científica, em fundos de investimento ou fundos de capitais de risco; criar empresas sediadas em Portugal com cinco postos de trabalho permanentes; ou reforçar o capital social de uma empresa nacional já existente, com a criação ou manutenção de pelo menos cinco empregos por um período mínimo de três anos.
A transferência de 250 mil euros (R$ 1,20 milhão) ou mais, para investimento ou apoio à produção artística, recuperação ou manutenção do patrimônio cultural nacional é também uma possibilidade.

O que se questiona e os argumentos contra o sistema

A crítica ao sistema está sendo liderada pelo Bloco de Esquerda, partido político português de extrema-esquerda socialista, que faz parte da coalizão não oficial de apoio ao governo minoritário.
O partido argumenta que os candidatos aos vistos gold não são suficientemente investigados no processo de avaliação, o que acaba abrindo caminho para que criminosos estrangeiros também obtenham o documento.
O partido também argumenta que esses investimentos não criaram empregos o bastante, apontando que, dos 6.416 estrangeiros que receberam o visto gold, apenas 11 (0,2%) escolheram a opção de criar um negócio que empregue mais de 10 pessoas. A lista não inclui brasileiros.
O Bloco elaborou um projeto de lei que propõe abolir esse regime de concessão de vistos.
No documento, argumenta que eles são uma porta de entrada para "práticas de corrupção, tráfico de influência, peculato e lavagem de dinheiro, entre outras ilegalidades fiscais e criminais".
"Precisamos de investimento estrangeiro, mas não a qualquer custo", diz o deputado José Manuel Pureza, do Bloco de Esquerda.
"Precisamos de investimento que crie empregos, que não esteja associado à corrupção, e investimento que não faça distinção entre os imigrantes ricos e os demais", acrescenta.
José Manuel Pureza, deputado do partido Bloco de Esquerda, de PortugalDireito de imagemDIANA GUERRA/CONTRAMAPA
Image captionJosé Manuel Pureza, deputado do Bloco de Esquerda, diz que o partido teme que os vistos dourados estejam associados à corrupção e que não tenham representado uma grande criação de empregos: "Precisamos de investimento estrangeiro, mas não a qualquer custo"

O que se diz a favor

De volta ao escritório de Pedro Vicente, em Lisboa, ele está preocupado com a proposta do partido.
Sua empresa se prepara para inaugurar um novo projeto residencial de luxo com 55 apartamentos no centro de Lisboa, onde "cerca de 40% das aquisições foram feitas por compradores com visto gold".
Luis Lima, secretário-geral da maior associação de agências imobiliárias de Portugal, a APEMIP, diz que "a tão necessária renovação de Lisboa e do Porto (realizada nos últimos anos) foi feita devido ao investimento via vistos gold".
Ele acrescenta que, ante a falta de disponibilidade de capital local, o regime de vistos gold gerou milhares de empregos, abrangendo de trabalhadores da construção civil aos que fazem serviços de limpeza.
"Sem vistos gold, o setor de construção teria entrado em colapso", diz Lima.

'Sucesso econômico'

O economista João Duque também vê o regime de vistos gold em Portugal como um sucesso econômico.
Ele diz que, embora um número pequeno de novos negócios tenha sido criado, os investidores estrangeiros pagaram aos donos de imóveis portugueses "milhões de euros" que provavelmente foram reinvestidos internamente, criando milhares de empregos ou salvando empresas existentes da beira do abismo.
Enquanto isso, outra economista, Ana Santos, da Universidade de Coimbra, alerta que o regime de vistos gold fez dispararem os preços no mercado imobiliário residencial português. E que esses preços exorbitantes acabarão tornando os vistos gold portugueses menos atraentes.
O governo português foi procurado pela reportagem da BBC, mas não quis comentar o assunto. Se apoia ou não o projeto de lei do Bloco de Esquerda é uma incógnita.
Luis LimaDireito de imagemPEDRO GARCIA
Image captionLuis Lima, da maior associação de agências imobiliárias de Portugal, diz que o sistema de vistos dourados financiou a revitalização de Lisboa e do Porto, por meio dos investimentos feitos por estrangeiros
Brian Morgan, professor de empreendedorismo da Cardiff Metropolitan University, do País de Gales, e especialista em investimento interno, diz que outra preocupação em relação aos vistos gold emitidos por Portugal e outros países da União Europeia (UE) é que os detentores desses vistos não necessariamente permanecerão no país que concedeu o documento.
Eles podem migrar para outros países da região.
No caso de vistos gold portugueses, uma vez que o obtenham, os titulares podem viajar imediatamente em torno do Espaço Schengen - acordo que permite a livre circulação de pessoas dentro dos países signatários, sem a necessidade de apresentação de passaporte nas fronteiras -, o qual inclui 22 Estados-membros da União Europeia, além da Islândia, Liechtenstein, Noruega e Suíça. E se o portador do visto conquistar a cidadania portuguesa após seis anos, poderá se mudar permanentemente para outro país da UE.
"No caso de Portugal, seu sistema de vistos gold tinha aspectos positivos como uma solução de curto prazo", diz o professor Morgan. "O mercado imobiliário do país estava estagnado em 2012, e isso deu a ele um enorme impulso. No entanto, agora há sinais de que o mercado está superaquecido, e teme-se que não tenha havido a devida auditoria sobre quem obteve vistos."
A versão britânica do regime de vistos gold de Portugal é oficialmente chamada de visto Nível 1 (Investidor). Ele difere de forma significativa do português, na medida em que os requerentes não podem investir no mercado imobiliário do Reino Unido. Além disso, o investimento mínimo é de 2 milhões de libras (R$ 10,82 milhões), mais de quatro vezes superior.
No ano passado, o governo do Reino Unido emitiu 355 desses vistos, um aumento de 56% em relação ao ano anterior. O Ministério do Interior diz que não tem planos de conceder mais vistos gold pós-Brexit (processo de saída do Reino Unido da UE), ou de reduzir o valor mínimo de investimento exigido.
Uma porta-voz explicou que em 2015 esse valor foi elevado de 1 milhão de libras (R$ 5,41 milhões) para 2 milhões (R$ 10,82 milhões), para garantir que os vistos não estivessem sendo vendidos por menos do que realmente valem.

Vistos gold no mundo

De acordo com a organização anticorrupção Transparência Internacional, mais de 20 países ou territórios em todo o mundo oferecem vistos gold, com regras variadas. Veja abaixo alguns exemplos de investimentos mínimos exigidos aos candidatos de vistos:
- Reino Unido: US$ 2,6 milhões (R$ 10,8 milhões) em títulos ou ações através de bancos britânicos;
- Espanha: US$ 580 mil (R$ 2,4 milhões) em propriedades imobiliárias, US$ 1,1 milhões (R$ 4,77 milhões) em depósitos ou US$ 2,3 milhões (R$ 9,55 milhões) em títulos do governo;
- Antígua e Barbuda: US$ 100 mil (R$ 415,3 mil) para o Fundo Nacional de Doações. Ou US$ 400 mil (R$ 1,66 milhão) no setor imobiliário ou, ainda, US$ 1,5 milhão (R$ 6,22 milhões) em investimentos aprovados;
- Chipre: 2 milhões de euros (R$ 9,63 milhões) em empresas, propriedades imobiliárias ou títulos do governo;
- Estados Unidos: US$ 1 milhão (R$ 4,15 milhões) em empresas que criam ao menos 10 postos de trabalho ou US$ 500 mil (R$ 2,07 milhões) se o investimento for em uma área rural ou em uma área com alta taxa de desemprego;
- Lituânia: Gerenciar e manter pelo menos um terço das ações de uma empresa com pelo menos três trabalhadores em tempo integral e um valor de capital de US$ 32,5 mil (R$ 134,9 mil).
Colaborou Renata Moura, da BBC News Brasil em Londres

Fonte https://www.bbc.com/portuguese/internacional-45494835