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sexta-feira, 29 de setembro de 2017

O que é a 'Teoria do Louco' que Trump pode estar usando com a Coreia do Norte - e quais são seus riscos

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Donald TrumpDireito de imagemREUTERS
Image captionDonald Trump colocou o mundo em alerta com suas ameaças declaradas contra a Coreia do Norte
Muitos acreditam que o presidente dos EUA, Donald Trump, usa a "Teoria do Louco" ("Madman Theory", em inglês) para lidar com a Coreia do Norte. Se isso for verdade, o fato de ter sido chamado de "mentalmente perturbado" pelo líder norte-coreano Kim Jong-um pode ter representado uma conquista para o líder americano.
A ideia da "Teoria do Louco" é se colocar como alguém imprevisível ou disposto a encarar um enfrentamento a qualquer custo na tentativa de dissuadir o inimigo. Se um dos lados acredita genuinamente que o outro é capaz dar início a um combate, pode ceder às demandas dele para evitar o pior, como, por exemplo, um ataque nuclear.
A "Teoria do Louco" prevê que o comportamento supostamente irracional seja deliberado, ou seja, o comportamento supostamente imprevisível - que passa a impressão de que uma loucura pode ser cometida a qualquer momento - não é verdadeiro, mas crível o suficiente para enganar o lado oposto. Assim, nunca se sabe ao certo se a pessoa está se passando por louca ou se realmente é um indivíduo instável.
As especulações de que Trump tenha seguido essa estratégia em sua política externa surgiram antes mesmo dele assumir a Presidência dos EUA em janeiro. Ainda durante a campanha, ele lançou mão da carta da imprevisibilidade ao se posicionar sobre temas internacionais.
"Temos que ser imprevisíveis", respondeu Trump no ano passado, quando o jornal The Washington Post lhe perguntou sobre o que pretendia fazer em relação à expansão chinesa. "Somos muito previsíveis, e o previsível é ruim."
Mas as suspeitas de que Trump aplica a Teoria do Louco na política externa aumentaram no mês passado, quando prometeu responder com "fogo e fúria" a ameaças Coreia do Norte.
Lançamento de míssil na CoreiaDireito de imagemGETTY IMAGES
Image captionExercícios militaes e lançamentos de mísseis na Coreia do Norte intensificaram nos últimos meses e provocaram uma reação mais dura dos EUA
Os motivos para acreditar que o norte-americano é adepto da estratégia da imprevisibilidade ganharam ainda mais força esta semana quando Trump foi à Assembleia Geral das Nações Unidas e disse que os EUA estão preparados para "destruir totalmente" a Coreia do Norte.
No sábado, um dia após o segundo lançamento, pelo regime de Kim Jong-un, de um míssil intercontinental, a tensão escalou quando bombardeiros B-1B americanos, escoltados por jatos de combate, sobrevoaram a península coreana - no que o Pentágono classificou de "demonstração de força".
Mas será que Donald Trump realmente quer que Pyongyang o veja como louco? Qual o risco de enfrentar um regime tão fechado que alega ter armas nucleares?

Precedente

Richard Nixon
Image captionRichard Nixon (1969-1974) foi o primeiro presidente dos EUA a quem se atribui o uso da Teoria do Louco
A imagem do ex-presidente Richard Nixon (1969-1974) há anos é associada à Teoria do Louco. Ele foi o primeiro presidente dos EUA a quem se atribuiu o uso da estratégia, supostamente para intimidar a União Soviética e também a Coreia do Norte. A ideia era fazer com que os membros do bloco comunista pensassem que o então presidente americano era inconstante e irracional.
H.R. Haldeman, que foi chefe de gabinete de Nixon, escreveu que o ex-presidente lhe falou sobre a teoria quando disse querer que os vietnamitas do norte pensassem que ele poderia fazer "qualquer coisa" para por um fim à Guerra do Vietnã, sabendo que tinha nas mãos o "botão nuclear".
Trump tem salientado que também controla ferramenta similar. Fez isso no dia seguinte ao comentário em que prometeu "fogo e fúria", palavras que integrantes do governo norte-americano descreveram como espontâneas.
Enquanto o secretário de Estado, Rex Tillerson, tranquilizava aliados negando que houvesse uma ameaça iminente à Coreia do Norte, Trump usou sua conta no Twitter para afirmar que sua primeira ordem como presidente foi "renovar e modernizar" o arsenal nuclear dos EUA.
"Espero que nós nunca precisemos usar esse poder, mas nunca haverá um tempo em não sejamos a nação mais poderosa do mundo", postou em 9 de agosto.
Muro pintado com os dizeres Direito de imagemEPA
Image captionEm agoto, Kim Jong-un ameaçou atacar Guam, ilha do Pacífico considerada base militar chave para os EUA
Diversos analistas americanos comentam abertamente sobre a possibilidade de Trump estar seguindo a linha de Nixon para tentar amedrontar os norte-coreanos.
"Pode ser que você ache que a Teoria do Louco é a teoria certa aqui", disse David Brooks, colunista do jornal The New York Times no programa PBS Newshour. "Eu acho que pode ser muito eficaz, desde que você não esteja realmente louco."
Como se trata de uma estratégia que não é anunciada, sempre haverá dúvidas sobre o uso da "Teoria do Louco".
Pode ser que Trump realmente esteja sendo direto quando alerta para o risco de uma guerra devastadora com a Coreia do Norte se os EUA forem obrigados a, como disse na Assembleia da ONU, "se defender ou a defender seus aliados".

Lógica da rua

Joan Hoff, uma historiadora que publicou livros sobre Nixon e sobre a polícia exterior dos EUA, sustenta que não há certeza de que o então presidente realmente empregara a Teoria do Louco como sugerira Haldeman.
"Sempre se fala isso sobre Nixon, mas Nixon sabia muito sobre política externa para adotar um enfoque tão simplista", disse Hoff à BBC Mundo, o serviço em espanhol da BBC.
Contudo, ela diz que a teoria "provavelmente se aplica a Trump, porque ele nada sabe sobre relações internacionais".
Diante da dúvida se a postura de Trump é intencional ou não, há o receio de que essa suposta "imprevisibilidade" do atual presidente possa ser perigosa.
Kim Jong-un em desfile militarDireito de imagemREUTERS
Image captionLouco ou calculista: líder da Coreia do Norte também dá sinais de que é imprevisível
"Pode haver algum mérito na Teoria do Louco desde que você esteja numa crise", disse David Petraeus, general da reserva dos EUA, em um debate na Universidade de Nova York há alguns dias.
"Você não quer que o outro lado pense que você pode ser irracional o suficiente para conduzir um primeiro ataque ou fazer algo impensável", advertiu.
Muitos também acreditam que o líder norte-coreano Kim Jong-un também segue a "Teoria do Louco" para se fazer respeitar em sua região e nos Estados Unidos.
No Twitter, o próprio Trump definiu Jong-un como "um louco que não se importa em morrer de fome ou matar seu povo".
No entanto, outros o veem de forma diferente.
Kim Jong-un vio personalmente un reciente ensayo con misilesDireito de imagemREUTERS
Image captionKim Jong-un examina personalmente algunos de los ensayos con misiles.
"Kim Jong-um não é um louco, é muito calculista", disse Howard Stoffer, especialista em segurança nacional que trabalhou por 25 anos no serviço diplomático dos EUA. "Lança comunicados que são bombásticos e beligerantes, mas ele não lançou mísseis contra os Estados Unidos ou a Coreia do Sul."
Na sua opinião, falar duro e ser imprevisível quando se tem um cargo com tantas responsabilidades vai contra os interesses globais.
"É uma lógica de rua, que funciona quando você é um garoto do bairro e há gangues. Isso não funciona na diplomacia internacional", disse Stoffer à BBC Mundo. "O mundo funciona se tiver estabilidade e todos são previsíveis."
Fonte http://www.bbc.com/portuguese/internacional-41397642

quinta-feira, 28 de setembro de 2017

Estado e fé: STF permite ensino confessional de religião nas escolas

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Bíblia com crucifixoDireito de imagemGETTY IMAGES
Image captionProcuradoria-geral da República diz que permissão de ensino religioso deve ser mais restrita, para evitar favorecimento de religiões mais poderosas
Com 'voto de minerva' da presidente da corte, ministra Cármen Lúcia, o Supremo Tribunal Federal decidiu nesta quarta-feira pela permissão de ensino religioso confessional nas escolas públicas.
Em votação apertada - 6 votos a 5 - o tribunal rejeitou a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4439, que pedia que o ensino religioso fosse apenas uma apresentação geral das doutrinas e não admitisse professores que fossem representantes de nenhum credo - como um padre, um rabino, um pastor ou uma ialorixá (mãe de santo).
Na prática, as leis brasileiras permanecem como estão, e fica autorizado que professores de religião no ensino fundamental (para crianças de 9 a 14 anos) promoverem suas crenças em sala de aula. Mas também continuam autorizados o ensino não confessional e o interconfessional (aulas sobre valores e características comuns de algumas religiões).
Os Estados e municípios também continuam livres para decidir se devem remunerar os professores de religião ou fazer parcerias com instituições religiosas, para que o trabalho seja voluntário e sem custo para os cofres públicos.
Atualmente, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional prevê que as escolas ofereçam obrigatoriamente o ensino religioso para crianças. No entanto, a disciplina é facultativa, e os alunos só participam se eles (ou seus responsáveis) manifestarem interesse.
Mesmo assim, a Procuradoria-Geral da República argumentou que, por não determinar se as aulas podem ser confessionais (ligadas a uma confissão religiosa) ou não, a lei dá espaço para que predomine o ensino da religião católica nas escolas municipais e estaduais - o que violaria o princípio de que o Estado é laico.
Mas no julgamento, que começou em agosto e foi retomado nesta quarta-feira, seis ministros da Corte (Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Cármen Lúcia) entenderam que a laicidade do Estado não significa que ele deve atuar "contra" religiões, mesmo nas instituições públicas.
A favor do pedido da PGR votaram Luís Roberto Barroso, Luiz Fux, Rosa Weber, Marco Aurélio Melo e Celso de Mello.
No "voto de Minerva", Cármen Lúcia argumentou que não via, nas leis brasileiras, autorização para o proselitismo e para o catequismo nas escolas. Ao mesmo tempo, disse também não ver proibição de que se ofereça ensino religioso orientado por princípios de uma denominação específica.
Ela afirmou, no entanto, que todos os ministros estão de acordo com "a condição de Estado laico do Brasil, a liberdade de crença, a importância da tolerância, a pluralidade das ideias e a garantia da liberdade de expressão e manifestação".
O debate pôs, de um lado, associações católicas e evangélicas e, de outro, órgãos tão díspares quanto a Federação das Associações Muçulmanas e a Liga Secular Humanista do Brasil.

Limites

Na primeira sessão do julgamento, Barroso (que é relator da ação), Fux e Weber concordaram com o argumento da Procuradoria de que o ensino religioso, mesmo que facultativo, pode expor crianças a constrangimentos, caso elas escolham não frequentar as aulas, por exemplo.
Esta também é a posição da maior parte das associações de educadores, ONGs de direitos humanos e congregações religiosas que pediram para que seus argumentos fossem ouvidos pelo tribunal.
"Defendemos que o STF estabeleça limites negativos à presença do ensino religioso nas escolas públicas, limites do que não pode ser", disse à BBC Brasil Denise Carreira, relatora nacional de Direitos Humanos da Plataforma Brasileira de Direitos Humanos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais (DHesca), ligada à Unesco (órgão da ONU para a educação, ciência e cultura).
"Entre outros, que não podemos ter matrícula automática na aula de religião, que hoje é o caso em muitas redes de ensino. A família que não quer tem que passar por um procedimento longo para tirar a criança. Também defendemos que o ensino religioso não pode ser oferecido em horários de disciplinas obrigatórias - aulas no meio período, por exemplo. Muitas escolas fazem isso para forçar a barra."
Para Carreira, o STF deveria ir mais longe. Além de definir o tipo de ensino religioso que deve ser oferecido às crianças, também deveria discutir se este deve ser custeado pelo poder público, como a lei atual permite. "No momento em que o país está, com a dificuldade da implementação do Plano Nacional de Educação por falta de recursos, não tem cabimento investir dinheiro público em ensino religioso", afirma.
Túlio Vianna, professor da faculdade de direito da UFMG, advogado que representa a Liga Humanista Secular do Brasil (LHiS) - que congrega pessoas sem religião (como agnósticos e ateus) -, acredita que ação da PGR buscava, de certo modo, corrigir uma contradição dentro da própria Carta Magna.
"Ao prever o ensino religioso, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação quase prevê uma exceção dentro da regra da laicidade do Estado. Então isso precisa ser interpretado de forma restritiva. Ou o Estado financia uma espécie de catecismo em sala de aula ou oferece uma disciplina que daria ao aluno uma visão geral das várias religiões. Sem proselitismo. Isso nos parece mais de acordo com a visão que a Constituição de 1988 consagrou", disse à BBC Brasil.
Do outro lado, o advogado da Conferência Nacional de Bispos do Brasil (CNBB), Fernando Neves, enfatiza que a Igreja Católica - defensora do ensino confessional - não quer necessariamente um "catecismo" nas escolas públicas.
"Defendemos o ensino de todas as religiões, como a Constituição diz. Por exemplo, aulas de religião na sexta-feira, no último horário. As crianças manifestariam sua preferência e as próprias congregações religiosas se encarregariam, como parceiras das escolas, de mandar seus representantes voluntariamente para dar aula", disse à BBC Brasil.
"Pode-se falar da história e dos valores das religiões em aulas de história e filosofia, sem privilegiar nenhuma delas. Mas ensino religioso é aprimoramento em determinada fé. Claro que a CNBB quer que todo mundo tenha aula da religião católica, mas admite que possam existir pessoas que queiram religiões africanas, das evangélicas, do judaísmo."
No Censo 2010, 64,6% dos brasileiros se declararam católicos e 22,2% protestantes (o que inclui igrejas evangélicas tradicionais, pentecostais e neopentecostais). Mas também há espíritas, testemunhas de Jeová, seguidores de religiões de matriz africana como candomblé e umbanda, budistas, judeus, muçulmanos, baha'í, seguidores do Santo Daime e outros.
Como garantir que todas elas possam estar representadas, mesmo sob demanda, na grade curricular?
"Reconheço que essa dificuldade possa existir, mas depende de as congregações mandarem as pessoas para as escolas. Dificilmente elas terão todas essas aulas, mas depende de cada região. Na Bahia, por exemplo, onde há influência maior das religiões africanas, pode ter mais aulas delas. Ou até uma disciplina interconfessional, de currículo combinado entre duas religiões", sugere Neves, da CNBB.
"Não posso imaginar que isso fomente a discriminação e, sim, ensine a tolerância. Se você tem seis classes no mesmo horário, cada um indo para onde quiser, isso ajuda. Quem não quiser vai jogar bola, vai para casa mais cedo."
Crianças rezando em sala de aulaDireito de imagemGETTY IMAGES
Image captionAssociações cristãs defendem que ensino confessional ensina valores morais a crianças, mas juristas temem aumento da intolerância

Quem paga?

A ideia de que as escolas públicas consigam manter diversas aulas de religiões diferentes, no entanto, é vista como utópica por outros especialistas.
"Nossas escolas já não têm salas suficientes para todo mundo. Imagine se no dia do ensino religioso tiver pelo menos cinco ou sete aulas diferentes? E como será o pagamento desse pessoal se for pelo poder público? Continuamos dizendo que o melhor lugar para a defesa do ensino religioso é na sociedade civil. As igrejas têm televisões, Twitter, têm as famílias, as igrejas, os templos", disse à BBC Brasil Carlos Roberto Jamil Cury, professor da PUC-Minas, ex-membro do Conselho Nacional de Educação e um dos principais especialistas legislação educacional no país.
Já Túlio Viana, da Liga Humanista, diz que seria impossível, a rigor, manter o ensino religioso sem o dinheiro do contribuinte.
"Mesmo com parcerias, as aulas não seriam gratuitas. Há o aluguel do prédio público, eletricidade, água, limpeza, estrutura onde as aulas serão dadas. O Estado acaba pagando de qualquer forma. Isso viola a laicidade do Estado", afirma.
Cury relembra que a Lei de Diretrizes de Bases da Educação de 1996, em seu artigo 33, deixava claro que o ensino religioso nas escolas fundamentais poderia ser confessional, de acordo com as preferências dos alunos e de suas famílias, mas que ele não deveria ser custeado pelos cofres públicos.
Sete meses depois, no entanto, o artigo foi alterado e deixou de mencionar tanto o ônus ao poder público quanto o ensino confessional. Atualmente, ele diz apenas que é proibida qualquer forma de proselitismo religioso e que o conteúdo das aulas e as normas para a admissão dos professores devem ser regulamentados pelos sistemas de ensino.
Com essa mudança, diz o especialista, abriu-se o espaço para que municípios e Estados pagassem a conta dessas disciplinas - e as oferecessem da maneira como quisessem.
"Eu estava no Conselho Nacional de Educação na época. Não conseguimos dar orientações aos Estados e municípios, então ficou livre para que eles assumissem ou não esse ônus. Em muitos Estados, já havia uma tradição vinda do regime militar de remunerar os professores de religião", diz.

Catolicismo 'e outras'

Hoje, segundo Cury, a maior parte dos Estados brasileiros custeia aulas de religião nas escolas públicas - em muitos casos, disciplinas ligadas a uma religião específica, geralmente cristã.
Soma-se a isso o fato de que, em 2010, o Brasil assinou um acordo com o Vaticano (Decreto 7.107/2010), que previa o "ensino católico, aberto também a outras confessionalidades" para crianças do ensino fundamental. A ação da PGR também pedia que o STF considerasse esta parte do acordo inconstitucional.
"O acordo assinado do Brasil com o Vaticano é inferior, superior ou igual à Lei de Diretrizes e Bases? Eu acredito que é inferior. A Constituição está acima de um acordo assinado com uma só denominação religiosa", afirma o jurista.
Mas para o presidente da Associação Nacional dos Juristas Evangélicos (Anajure), Uziel Santana dos Santos, professor da Universidade Federal de Sergipe, seria "ingratidão" impedir o ensino confessional nas escolas.
"Entendemos que, em primeiro lugar, o ensino público foi criado no país historicamente a partir do século 16 com a chegada dos primeiros jesuítas, ou seja, por cristãos. No século 19, houve as primeiras escolas protestantes. É uma certa ingratidão histórica querer extirpar do ensino público o ensino religioso", disse à BBC Brasil.
Santos acredita que não deve haver privilégio de nenhuma religião, mas admite que professores cristãos podem acabar sendo contratados com mais frequência nas escolas.
"O IBGE diz que mais de 90% da população é cristã. Então o recrutamento das religiões que representam o povo brasileiro estaria decidido aí. Não estou dizendo que só haveria professores cristãos, mas isso não seria problema, porque reflete a demografia do povo brasileiro."
"Mas não seria difícil encontrar professores para religiões minoritárias em todos os municípios do país?", indaga a reportagem. "É difícil achar professores para outras disciplinas também", responde o jurista.
"Se numa próxima Assembleia Constituinte se decidir extirpar o ensino religioso, é possível. Mas não foi esse o modelo aprovado em 1988. Nesse sentido, nós precisamos resgatar a estabilidade do texto constitucional."
Cerimônia de religião afro-brasileiraDireito de imagemGETTY IMAGES
Image captionSegundo especialistas, tem aumentado os episódios de discriminação religiosa em escolas, especialmente com religiões africanas

Intolerância

De acordo com Carlos Roberto Cury, no entanto, o que estava em jogo no julgamento do STF era uma questão anterior à pergunta sobre "quem paga" pelas aulas de religião nas escolas municipais e estaduais.
"Esse debate é um termômetro do nível da sociedade brasileira de tolerância ao diferente. E esse nível está muito baixo", afirma. Segundo ele, houve um aumento de episódios de intolerância religiosa entre crianças de escolas públicas nos últimos anos.
Até mesmo a Grande Loja Maçônica do Rio de Janeiro (GLMRJ) pediu para participar do processo, motivada por episódios de intolerância contra religiões africanas no Estado.
"Maçonaria não é religião. Por isso, não tem nenhum posicionamento favorável ou contrário a qualquer religião. Mas maçonaria defende as liberdades, e se posiciona contrária a qualquer preconceito e intolerância religiosa. O Estado é laico e deve permanecer laico", disse à BBC Brasil o coronel da PM Ubiratan Angelo, mestre maçom, espírita kardecista e membro da comissão permanente de direitos humanos da GMLRJ.
Para Vianna, da Liga Humanista, a ideia de separar os alunos do ensino fundamental em turmas de religiões diferentes, mesmo que pontualmente, também pode ser um estímulo à intolerância.
"Temos que pensar que tipo de sociedade queremos construir. Um modelo em que a convivência religiosa só é possível com a separação ou um modelo em que as crianças aprendem desde cedo que existe uma diversidade de crenças e que elas podem conviver?", indaga.
"Com um precedente desses, podemos começar a ter conflitos religiosos que não tínhamos."
O debate do STF não incluiu as escolas privadas. O próprio ministro Barroso, relator da ação no tribunal, disse na primeira sessão que "as escolas privadas podem estar ligadas a qualquer confissão religiosa, o que é legítimo".
Fonte http://www.bbc.com/portuguese/brasil-41404574

terça-feira, 26 de setembro de 2017

Robôs e 'big data': as armas do marketing político para as eleições de 2018

Leia também: LITURGIA DA PALAVRA

Ilustração com balão de quadrinhosDireito de imagemNIHATDURSUN/GETTY CREATIVE
Image captionFerramentas que estreiam no Brasil na disputa do próximo ano traçam perfil psicológico dos eleitores a partir das redes sociais
A disputa política por influência digital vem ganhando escala no Brasil desde as eleições de 2014 e já prepara terreno para a batalha do próximo ano.
O arsenal virá de empresas como a Stilingue, que varre a internet com um software de inteligência artificial capaz de ler textos em português - já usado para fazer previsões sobre as votações no Congresso -, e da Cambridge Analytica, a polêmica consultoria que trabalhou na campanha de Donald Trump e que desembarca no Brasil neste ano.
Companhias como essas processam toneladas de informação que vêm da rede e de bancos de dados para, por exemplo, mapear os perfis de eleitores. A prática é uma estratégia antiga dos marqueteiros, que sabem que a recepção de conteúdo pelos seres humanos é seletiva - pessoas com orientação progressista dificilmente dão atenção a discursos autoritários, por exemplo - e que, por isso, precisam adaptar o discurso de seus candidatos para elevar seu alcance e, em última instância, conseguir votos.
A diferença é que agora é possível ir além da divisão demográfica e ideológica, da direita e esquerda, e agrupar os brasileiros usando como critérios seus sentimentos - medos, desejos e ambições.

Aprendendo português

Jovens com celular na frente do rostoDireito de imagemGETTY IMAGES
Image captionAnálise de redes sociais permite traçar perfil psicológico dos eleitores e separá-los em grupos que vão além de direita e esquerda
Batizado de War Room, o software da Stilingue vem sendo construído há quatro anos através do que a ciência da computação chama de "processamento de linguagem natural". Em Ouro Preto (MG), o time de 35 desenvolvedores alimenta o computador com textos em português para ensiná-lo a entender e interpretar a língua, identificando padrões comuns.
Com a tecnologia, eles monitoram redes sociais - Facebook, Twitter, Instagram -, influenciadores e fazem análise do que é publicado na imprensa.
Para a política, as aplicações dessa vigilância robotizada vão desde gestão de imagem do candidato (a ferramenta consegue inclusive fazer reconhecimento facial para identificar memes, que à priori não são capturados nas leituras textuais) a psicometria - a análise de personalidade dos eleitores, útil na formulação do discurso político -, e ao chamado "community management".
Neste último caso, como o programa consegue identificar aqueles que são a favor e contra determinado tema, os candidatos teriam chance de fazer um "corpo a corpo" virtual para tentar, por exemplo, convencer os indecisos.
A empresa tem dois clientes pré-candidatos a cargos do Executivo, que contrataram o "pacote completo", conta seu presidente, Rodrigo Helcer, sem dar maiores detalhes. Com formação na área de administração, o paulistano é sócio de dois mineiros com experiência em computação.
Resultado da votação da reforma da Previdência na Comissão Especial da Câmara
Image captionAnálise da atividade dos deputados na rede permitiu previsão da votação da reforma da Previdência na Comissão Especial | Crédito: Agência Brasil
"A inteligência artificial permite que a gente automatize um trabalho que antes era bastante operacional em uma escala muito maior. A mudança é comparável com a invenção do microscópio, que permitiu a descoberta de um mundo completamente novo, que antes era invisível", ele afirma.
Esse tipo de tecnologia vem sendo usada em diversos países - e campanhas políticas - há alguns anos, mas o número de softwares capazes de ler em português, segundo Helcer, ainda é pequeno.
A empresa conta com 50 funcionários em Ouro Preto e dez em São Paulo, cidade que concentra as atividades administrativas. Além da equipe robusta de desenvolvedores, a companhia tem uma relação próxima com polos tecnológicos como o da Universidade de São Paulo (USP), do campus da USP em São Carlos, da PUC do Rio Grande do Sul, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e da Universidade Federal de Lavras.

Monitor do Congresso

Um dos serviços já prestados aos clientes, que vão da indústria de bens de consumo às assessorias de comunicação, é o monitoramento do Congresso. O acompanhamento diário das atividades virtuais dos 513 deputados federais tem função, por exemplo, de prever resultados de votações na Câmara.
Exemplo recente nesse sentido foi a tramitação da reforma da Previdência na Comissão Especial da Casa. A análise feita a partir da interpretação de entrevistas e manifestações nas redes sociais dos 37 membros acertou o resultado com erro de dois votos.
Reportagem veiculada um dia antes em um jornal de São Paulo, diz Helcer, baseada nas declarações dadas pelos próprios parlamentares aos repórteres por telefone e por e-mail, errou quatro votos.

Brasileiros em 12 versões

Colocar os eleitores no divã é uma das especialidades da Cambridge Analytica. Com escritórios em Londres, Washington, Nova York e, mais recentemente, México, Malásia e Brasil, a empresa de 'big data' por trás da campanha de Donald Trump à Casa Branca no ano passado tem entre os investidores o bilionário Robert Mercer, que apoiou a candidatura do republicano.
A parceria com a brasileira A Ponte Estratégia foi anunciada em março e tem como foco a transferência e a "tropicalização" da metodologia de segmentação psicográfica, que traça o perfil psicológico dos eleitores, diz o marqueteiro André Torretta, à frente da empresa, rebatizada de CA-Ponte.
Esse tipo de análise, ele explica, é diferente do perfil demográfico, que divide os indivíduos por classe social ou grau de instrução, por exemplo, e do perfil ideológico, que posiciona os eleitores no espectro de direita a esquerda.
Trata-se de saber do que as pessoas têm medo, o que as inspira, quais temas rejeitam e quais apoiam para adaptar a mensagem do candidato ao público - estratégia usada por Trump no ano passado.
"O cara pode ser um medroso de direita ou um medroso de esquerda. Com qualquer um desses dois eu vou poder conversar sobre armamento, por exemplo, sobre controle de fronteira", explica Torretta, que espera dividir os brasileiros entre seis e 12 perfis.
O presidente dos Estados Unidos, Donald TrumpDireito de imagemREUTERS
Image captionA campanha de Trump usou 'big data' e psicologia para segmentar os americanos
Questionado sobre seus clientes, ele diz apenas que, "como empresário, vai onde o dinheiro está". "Em 2018 vamos ter umas 60 boas campanhas para governo de Estado e cinco ou sete para presidente."

Zap

O marqueteiro prefere Facebook e Twitter como fontes de informação sobre os eleitores a usá-los como plataformas de comunicação, meios para fazer a mensagem chegar a quem a campanha quer influenciar. A razão disso é, em parte, a própria legislação eleitoral brasileira, que impede que os candidatos paguem por exposição nas redes sociais. "Você é muito mais receptivo que ativo".
Assim, o meio alternativo à TV e ao rádio nas eleições de 2018, ele afirma, será o WhatsApp . "Ele é a grande rede social no Brasil".
Para a cientista política Luciana Veiga, da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio), o WhatsApp é uma plataforma mais eficiente do que as demais redes para falar aos indecisos, por exemplo. Em sua avaliação, ele passa a sensação de que é mais privado, mais "leve" e de ser um espaço em que se pode compartilhar conteúdo sem necessariamente se posicionar.
"As pessoas buscam estabilidade nas emoções. Muita gente se distancia das redes porque não está disposta a brigar. Os eleitores mais neutros acabam não sendo atingidos pelo Facebook, por exemplo", avalia a professora.

Poluição virtual

A atmosfera mais pesada que frequentemente paira sobre as redes sociais é criada muitas vezes de forma proposital, com o objetivo de manipular opinião, dizem especialistas da área.
Eles alertam, por exemplo, para a disseminação silenciosa dos social bots, perfis controlados por inteligência artificial que se manifestam politicamente e interagem com seres humanos nas redes.
"Muitos são criados para gerar a impressão de que todo mundo fala sobre determinado tópico", diz o professor do curso de ciência da computação da UFMG Fabricio Benevenuto, que alerta para o uso desse tipo de instrumento para espalhar notícias falsas.
Em 2013, seu grupo de pesquisa criou 120 contas-robôs no Facebook e no Twitter. Uma fração pequena foi bloqueada e alguns ganharam destaque a ponto de bater celebridades como Justin Bieber em medidores de influência como o Twitalyzer.
Teclado de computador com a inscrição Direito de imagemGETTY IMAGES
Image captionA disseminação de notícias falsas vem sendo observada em eleições de diversos países
"Nossa preocupação é prover cada vez mais transparência, monitorar o espaço online", diz ele, que está atualmente no Instituto Max Planck, na Alemanha. Benevenuto é também consultor da Stilingue, onde desenvolve o núcleo dedicado a detectar e filtrar os bots - que, segundo ele, já foram usados nas eleições de 2014 e de 2016.
Outra zona cinzenta e que também vem protagonizando polêmicas em eleições pelo mundo, diz o pesquisador da Universidade de Washington Daniel Arnaudo, é a coleta, compra e venda de dados pessoais na internet. Na falta de uma lei que regulamente essa prática, muitas empresas negociam informações de usuários que não fazem ideia, quando aceitam seus termos e condições, de que sua privacidade poderia ser compartilhada com outras empresas.
"Existem as informações públicas, que estão nas redes sociais, e tem esse lado 'escuro'", diz o americano, que estuda as leis de cibersegurança brasileiras. A proteção de dados pessoais é tema do Projeto de Lei (PL) 5.276, que está parado na Câmara.

Fonte http://www.bbc.com/portuguese/brasil-41328015