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sábado, 8 de dezembro de 2018

Como funcionam programas nos moldes do 'Bolsa Família' nas 10 maiores economias do mundo

Leia também: LITURGIA DA PALAVRA

Rua na ChinaDireito de imagemGETTY IMAGES
Image captionChina implementou 12 programas de assistência social
A pobreza não é uma questão que preocupa apenas os países menos desenvolvidos.
Segundo a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), as nações ricas que integram o grupo gastam, em média, 1,6% do PIB em prestações de assistência social condicionadas a um limite de renda dos beneficiários, como é o caso do Bolsa Família. São recursos transferidos em dinheiro para ajudar na subsistência e lutar contra a pobreza. O número exclui gastos sociais com Previdência, saúde e seguro-desemprego.
No Brasil, as despesas com o Bolsa Família, programa que beneficiou 14 milhões de famílias em novembro, representam cerca de 0,5% do PIB. Neste ano, os pagamentos do Bolsa Família devem atingir R$ 30 bilhões.
Entre as 10 maiores economias do mundo - que incluem desde países com elevados níveis de bem-estar social, como a França e a Alemanha, aos com altos índices de pobreza, como a Índia -, os programas de transferência de renda estão presentes, ainda que com diferentes formulações.
Na França - que vive uma onda de violentos protestos motivados pelos efeitos da alta carga tributária e do baixo poder de compra de boa parte da população -, os programas de transferência de renda são ainda mais amplos do que a média dos países ricos e atingem 2,1% do PIB, totalizando mais de 45 bilhões de euros (cerca de R$ 200 bilhões).

Como é o programa francês

Torre EiffelDireito de imagemGETTY IMAGES
Image captionSistema de proteção social francês é conhecido por ser um dos mais generosos do mundo
Além de garantir recursos para despesas do dia-a-dia, a França, que possui uma ampla rede de proteção social, tem também programas de ajuda para pagar o aluguel e contas de luz ou gás e para a compra de material escolar, entre outros.
O benefício médio recebido pelo programa é de R$ 187 (quase US$ 50), após reajuste de 5,7% que entrou em vigor em julho. O valor recebido pelos beneficiários varia conforme o número de membros da família, a idade de cada um e a renda.
De acordo com Maxime Ladaique, diretor de recursos estatísticos da divisão de políticas sociais da OCDE, os gastos dos países ricos com programas de transferência de renda se mantém, em geral, estáveis nos últimos anos.
"Logo após a crise financeira de 2008, as prestações sociais aumentaram, enquanto o PIB caiu. Os países pagaram mais para amortecer os efeitos da deterioração da economia", diz o especialista.
"Desde então, elas vêm sendo levemente reduzidas, mas o PIB dos países cresceu", afirma Ladaique, acrescentando que, na prática, a relação desses gastos em relação ao PIB tem se mantido estável.

Pode mudar no Brasil?

O presidente eleito Jair Bolsonaro, antes crítico do Bolsa Família, declarou que vai ampliar o programa e aperfeiçoar o combate a fraudes.
Além de um 13° 'salário' para os beneficiários, o programa de governo de Bolsonaro prevê instituir um sistema de "renda mínima para todas as famílias", ou seja, não apenas as mais pobres, com valor igual ou superior ao que é atualmente pago. O programa do presidente eleito não detalha, no entanto, como seriam obtidos os recursos para financiar a medida e se, de fato, ela será adotada.

Pedaço pequeno dos gastos sociais

Na avaliação de Ladaique, os programas de transferência de renda dos países ricos têm algo em comum: eles representam apenas uma pequena parte do total de gastos sociais, que incluem despesas bem mais elevadas como as da Previdência e saúde. "As despesas com pessoas de baixa renda são pouco significativas em relação a todos os gastos sociais", diz ele.
Basta olhar para os números gerais: os países ricos da OCDE gastam, em média, 21% do PIB (Produto Interno Bruto) na área social.
O percentual engloba os recursos usados na Previdência, na saúde pública, com seguro-desemprego e assistência social às famílias, que em vários casos inclui programas de distribuição de renda. Na França, os gastos na área são ainda maiores: 31% do PIB.
No Brasil, os gastos sociais do governo federal atingem cerca de 17,5% do PIB, incluindo despesas com Previdência, saúde, assistência social, educação, trabalho, saneamento básico e habitação. O percentual é mais elevado do que em outros países da América Latina e da Ásia.
Em boa parte dos países ricos, no entanto, os programas de transferência de renda não permitem que os beneficiários vivam acima da linha da pobreza (que leva em conta o nível de vida no país), ressalta Ladaique, da Ocde.
Conheça detalhes sobre cada um deles (com exceção do Brasil, que ocupa a nona posição no ranking do FMI) a seguir:

Estados Unidos: auxílio para alimentação

Trabalhadores americanosDireito de imagemGETTY IMAGES
Image captionPrograma americano paga benefícios a idosos e crianças de baixa renda cegos ou com alguma outra deficiência
O principal programa social dos Estados Unidos é o SNAP (Programa de Assistência Nutricional Suplementar), que ajuda pessoas de baixa renda a comprarem comida. É um programa federal, executado por agências locais, que beneficia mais de 20 milhões de lares. O valor médio pago por mês em 2018 para cada beneficiário é US$ 125 e, para cada lar, US$ 252. Os valores se mantiveram estáveis nos últimos quatro anos. O benefício custará quase US$ 56 bilhões neste ano. O SNAP é concedido aos lares com recursos e ativos de até U$ 2,2 mil.
O governo do presidente Donald Trump propôs mudanças na legislação, passando a exigir que pessoas com até 60 anos trabalhem para ter direito ao benefício, comumente chamado de "selos de comida". No caso de desempregados, também há programas de seguro-desemprego, operados por cada um dos Estados.
Por conta do impasse político criado com a proposta de mudança do SNAP, o Congresso americano ainda não aprovou a nova lei agrícola (Farm Bill), que financia o setor e o programa de nutrição. Parte da lei expirou no final de setembro e o restante irá expirar em 31 de dezembro.
Estátua da LiberdadeDireito de imagemGETTY IMAGES
Image captionLegislação de assistência social pode mudar nos EUA, a depender do governo de Donald Trump
A imprensa americana estima que pelo menos 2 milhões de pessoas poderão ter o benefício do SNAP cortado ou reduzido caso a proposta de Trump seja aprovada.
O programa Renda de Segurança Suplementar - Supplemental Security Income (SSI) - paga benefícios a adultos e crianças com deficiência ou pessoas acima de 65 anos com poucos recursos (ativos de até US$ 2 mil para um solteiro ou US$ 3 mil para um casal, considerando conta bancária, poupança, carro etc). No ano passado, o valor da ajuda mensal era de US$ 735 para um solteiro e de US$ 1,1 mil para um casal.
Há outros programas nos Estados Unidos, como a assistência temporária em dinheiro para famílias pobres e sem emprego (Temporary Assistance for Needy Families - TANF), com critérios e benefícios definidos pelos Estados. Alguns Estados exigem, para conceder o benefício, renda equivalente a menos de 50% da linha da pobreza, enquanto outros aceitam valores acima disso. Há uma contrapartida de horas de trabalho mensais, que podem ser serviços à comunidade, formações, ou empregos subsidiados no setor público e privado.

China: mudanças desde 1990

O país implementou 12 programas de assistência social. Alguns foram criados há várias décadas, mas eles ganharam força após uma reforma da assistência social no início dos anos 90, que passou a incluir nos programas de transferência de renda pessoas aptas ao trabalho.
Um deles, com versões urbana ("Urban Dibao"), e rural ("Rural Dibao"), garante recursos mínimos de subsistência às famílias de baixa renda, independentemente da capacidade para trabalhar. O sistema beneficia todos os lares do país que vivem abaixo da linha da pobreza. Shangai, a cidade mais desenvolvida do país, foi a primeira a implementar, em 1993, o Dibao urbano nos novos moldes que beneficiam a todos.
O programa Dibao é nacional, mas em razão das disparidades entre áreas urbanas e rurais e entre províncias do país, os governos locais definem os padrões de ajuda, ou seja, os benefícios variam de uma região para outra, mas são normalmente calculados em função da linha da pobreza na localidade.
Em Pequim, por exemplo, a linha da pobreza é de 900 yuans por mês (R$ 500). Se uma pessoa ganhar apenas 700 yuans (R$ 385), o governo completa os 200 yuans que faltam para atingir a renda mínima de subsistência.
Na média, o "Urban Dibao" equivale a um quinto ou um sexto da renda per capita das cidades. Em Pequim, a renda média per capita é de 5,3 mil yuans (R$ 2,9 mil).
Nas áreas rurais, a linha de pobreza média do Dibao é de 312 yuans (R$ 172), mais do que o dobro do valor em 2010, segundo a ONU.
Há um outro programa nas áreas rurais, o "Wubao", que fornece alimentação, roupas e cuidados médicos, além de ajuda financeira para moradia e até para enterros.
A partir dos anos 2000, a China reforçou novamente seus programas sociais, com assistência educacional para beneficiários do Dibao, além de subsídios para moradia.

Japão: ajuda para gastos médicos e material escolar

Rua no JapãoDireito de imagemGETTY IMAGES
Image captionJapão tem programa que visa garantir um padrão de vida mínimo
O Japão possui um programa de auxílio de subsistência, o Seikatsu Hogo. O valor do benefício resulta de um cálculo complexo em função do custo de vida básico necessário da família, conforme a idade e o número de membros do lar e também da região. Um lar em Tóquio com um adulto e uma criança em idade escolar, por exemplo, recebe por mês cerca de 125 mil ienes - US$ 1,1 mil (R$ 4,2 mil) e tem direito a auxílio moradia de 64 mil ienes (US$ 565 - R$ 2,2 mil).
O governo japonês prevê ainda ajuda financeira para gastos médicos, serviços para idosos e compra de material escolar, entre outros.
No Japão, as despesas sociais representam cerca de 23% do PIB, abaixo de países como a França e a Alemanha, mas acima dos Estados Unidos.

Alemanha: apoio até para o aluguel

AlemanhaDireito de imagemGETTY IMAGES
Image captionA assistência social na Alemanha cobre despesas de subsistência, com garantia de recursos mínimos para pessoas de baixa renda ou incapacitadas de trabalhar
A assistência social na Alemanha cobre despesas básicas, com garantia de recursos mínimos para pessoas de baixa renda ou incapacitadas de trabalhar.
Neste ano, o montante "da assistência para necessidades básicas" é de 416 euros mensais (cerca de R$ 1,7 mil) para uma pessoa solteira e de 748 euros para um casal (R$ 3,1 mil).
Há um suplemento para crianças em função da idade, que vai de 240 a 316 euros (de R$ 1 mil a R$ 1,3 mil). Há ainda ajudas financeiras para necessidades suplementares, como mães ou pais solteiros, situações especiais como roupas de gravidez e de bebê, ou ainda para a educação de crianças e adolescentes, que incluem, por exemplo, recursos para material didático e excursões escolares.
Também há auxílio para pagar o aluguel, se ele for considerado "razoável". Isso significa um montante de cerca de 450 euros (quase R$ 2 mil) no caso de um apartamento para duas pessoas em Berlim, uma das cidades mais baratas da Europa ocidental.

Reino Unido: apoio será ampliado

O país está implementando o sistema do Crédito Universal, um pagamento mensal para famílias de baixa renda.
Ele deverá ser ampliado para todo o país até 2019 e substituirá outros benefícios, como o complemento de renda (Income Support) e auxílio-moradia.
O Crédito Universal pode ser solicitado por trabalhadores, autônomos e desempregados. O montante depende da situação (ganhos, filhos, eventual deficiência, ajuda para pagar aluguel) e do local onde a pessoa vive. Ele não é válido para quem não é cidadão britânico ou irlandês. Um casal acima de 25 anos recebe 499 libras (US$ 640) por mês. Outros fatores podem ser acrescentados à ajuda básica, como 277 libras (US$ 355) por mês no caso do primeiro filho e 232 libras para o segundo filho e subsequentes.

França: ajuda nas contas de luz e gás

O sistema de proteção social francês é um dos mais generosos do mundo.
O país garante, por exemplo, uma renda mínima para pessoas com mais de 25 anos sem atividade profissional e que não tenham mais direito ao seguro-desemprego (que pode durar até dois anos). Jovens a partir de 18 também têm direito ao chamado Revenu de solidarité Active (RSA) caso tenham filhos.
O valor do RSA para uma pessoa que não receba auxílio-moradia complementar é de 550 euros (R$ 2,3 mil) mensais. Um casal com um filho recebe quase 1 mil euros (R$ 4,3 mil).
Além de uma ajuda financeira para o aluguel, há inúmeras outras alocações, como a destinada a despesas com crianças de menos de três anos, para a compra de material escolar ou ainda o "cheque energia" para pessoas de baixa renda, soma anual que varia de 28 a 247 euros (R$ 120 a pouco mais de R$ 1 mil) para ajudar a pagar contas de luz ou gás.

Índia: queda grande na taxa de pobreza

Crianças recolhem materiais em lixão de Nova Déli, na ÍndiaDireito de imagemAFP
Image captionAssim como o Brasil, a Índia é um país onde há grande desigualdade social
A Índia lançou em 2013 um plano experimental de pagamento em dinheiro aos mais pobres, nos moldes do Bolsa Família brasileiro. O governo estuda atualmente modalidades para estender o programa, batizado de "seu dinheiro em suas mãos". Há dois anos, técnicos da Índia visitaram o Brasil para aprofundar conhecimentos em relação ao Bolsa Família.
Há diversos programas de bem-estar social no país, relacionados principalmente a bolsas de estudo. O país fornece auxílio para a compra de alimentos (5kg de grãos por pessoa por mês), subsídio para o gás de cozinha e alocações financeiras para atender às necessidades básicas de famílias.
A taxa de pobreza na Índia caiu de 55% para 28% no período de dez anos (até 2016), segundo o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud).

Itália: complemento aos baixos salários

Mulher preenche ficha para empregoDireito de imagemREUTERS
Image captionNa Itália, benefício social nacional é pago às pessoas de baixa renda com mais de 66 anos
A Itália ainda não possui um regime nacional de apoio financeiro à população de baixa renda.
Até o momento, o único benefício social nacional, o Assegno Social, é pago àqueles com mais de 66 anos em situação de vulnerabilidade.
Em seu projeto de orçamento para 2019 - fortemente criticado pela União Europeia por prever o agravamento do déficit público, que se situaria em 2,4% do PIB -, o governo italiano prevê o aumento dos gastos públicos para permitir a criação da chamada "renda de cidadania", medida defendida pelo Movimento 5 Estrelas e que garantiria a qualquer pessoa maior de idade uma renda mínima de 780 euros (R$ 3,3 mil).
Na prática, se a pessoa trabalhar e tiver um salário de 400 euros, ela receberá o complemento, 380 euros.
Também existem na Itália programas administrados por regiões e cidades que concedem recursos em função da renda e que variam de acordo com a localidade.

Canadá: governo limita iniciativas

No Canadá, os programas de assistência social são administrados pelas províncias e territórios, que fixam suas próprias regras e montantes dos pagamentos.
Em Ontário, uma pessoa sem filhos pode receber, entre a ajuda financeira de subsistência e o auxílio moradia máximo, até cerca de R$ 2 mil. No caso de um casal com dois filhos, a soma pode atingir R$ 3,3 mil.
A província de Ontário havia lançado no ano passado um projeto piloto de renda básica universal (uma verba mensal garantida tanto para desempregados quanto para trabalhadores), com 4 mil pessoas inscritas. Ele deveria durar três anos, mas em julho o governo da província anunciou o encerramento progressivo do projeto, alegando que a iniciativa custa caro e não é viável a longo prazo. Uma pessoa solteira poderia receber até 17 mil dólares canadenses (R$ 50 mil) por ano.

Coreia do Sul: programas 'sob medida'

Após a crise de 1997, o governo sul-coreano ampliou, em 2000, as condições para ter acesso ao chamado programa de proteção nacional de subsistência básica, permitindo que pessoas na faixa de renda baixa pudessem receber os recursos.
Antes, eles eram destinados apenas a pessoas incapacitadas de trabalhar por motivo de deficiência ou idade. O programa foi reforçado em 2015, com ajudas "sob medida" relacionadas ao custo de vida, serviços médicos, moradia e educação, baseada nas necessidades dos beneficiários.
O benefício corresponde a 30% da renda média, fixada anualmente pelo ministério da Saúde e do Bem-Estar Social. A renda média é de 2,8 milhões de wons (US$ 2,5 mil) para um lar com duas pessoas e a alocação de subsistência é de US$ 740. A ajuda escolar (inscrições, compra de material, entre outros) para estudantes do ensino fundamental e médio vai de US$ 37 a US$ 48.

Fonte https://www.bbc.com/portuguese/internacional-45897725

quarta-feira, 21 de novembro de 2018

Prédio de moradia estudantil no Tocantins recebe prêmio internacional de arquitetura

Leia também: LITURGIA DA PALAVRA

Moradia estudantil no TocantinsDireito de imagemESTÚDIO PALMA
Image captionProjeto tem o objetivo de resolver um problema comum em zonas rurais no Brasil: as grandes distâncias que separam muitas vezes o aluno da escola
Um edifício de moradia para estudantes de 13 a 18 anos na zona rural de Formoso do Araguaia, em Tocantins, acaba de receber um prestigiado prêmio de arquitetura internacional, o Riba International Prize.
As 540 crianças e adolescentes que moram no prédio estudam em uma escola próxima, mantida pela Fundação Bradesco, a Escola da Fazenda Canuanã - um projeto social, com ensino gratuito. A moradia é parte da proposta educacional, no modelo de internato.
A combinação entre escola e moradia tem o objetivo de facilitar o acesso à educação, já que, na região, "as distâncias que os estudantes têm que percorrer entre a casa e a escola são bastante extensas", explica o arquiteto Gustavo Utrabo, do escritório Aleph Zero, um dos responsáveis pelo projeto.
"O objetivo principal era melhorar a qualidade de vida das crianças. E, como consequência, aperfeiçoar seu desempenho educacional. É um esforço muito grande para as crianças e para os pais ficarem separados. Então, é um esforço que precisa valer a pena", diz Utrabo.
A obra tem uma grande cobertura metálica, que gera uma sombra generosa. Abaixo dela, há um andar todo vazado, sem paredes e sem vidros, com divisórias de madeira à meia altura, permitindo uma grande ventilação.
"O projeto tem como ponto alto a criação da sombra, uma grande varanda, que permite que a criança ocupe esse lugar com uma série de brincadeiras", fala o arquiteto.
Já os dormitórios, no térreo, combinam técnicas de construção tradicional com tecnologia mais moderna. Um exemplo é uma parede mais grossa, que leva mais tempo para trocar de temperatura com o exterior, construída com um tipo de tijolo aprimorado a partir do adobe,
Essas escolhas arquitetônicas amenizam o forte calor da região, que beira os 40˚C nos dias mais quentes. O prédio chega a ficar até 7˚C mais fresco, sem necessidade de uso de ar condicionado. Uma consequência inusitada foi que a escola teve que comprar cobertores para os alunos.
Arquitetos Gustavo Ultrabo e Pedro DuschenesDireito de imagemVINICIUS POSTIGLIONI
Image captionOs arquitetos Gustavo Ultrabo e Pedro Duschenes, do escritório Aleph Zero, que recebeu prêmio pelo projeto de moradia estudantil
Outra inovação foi a construção do projeto em conjunto com a comunidade. Foram as próprias crianças que definiram, em uma atividade de dinâmica corporal, qual era o tamanho de cada quarto de alojamento.
O reconhecimento é oferecido pelo Royal Institute of British Architects (Riba) para projetos de arquitetura arrojada e impacto social significativo. É considerado um dos prêmios de arquitetura mais rigorosos do mundo, já que especialistas internacionais visitam e avaliam as obras in loco.
Segundo o presidente do Riba, Ben Derbyshire, a moradia estudantil de Tocantins "oferece um ambiente excepcional, destinado a melhorar a vida e o bem-estar das crianças da escola, e ilustra o valor imensurável do design educacional bem feito".
Esse não é o primeiro reconhecimento que a moradia estudantil recebe. Também foi agraciada com o prêmio de Melhor Edifício de Arquitetura Educacional do mundo, da premiação Building Of The Year, em 2018, e o American Architecture Prize 2017 na categoria habitação social.

Moradia dos estudantes foi concebida em conjunto com a comunidade

Antes de o prédio ser erguido, já havia um alojamento estudantil no local, mas os estudantes não consideravam que aquela era sua "casa".
"Quando a gente chegou ali, vimos que crianças não reconheciam o local como sua própria casa. Falavam que viviam na escola", lembra o designer Marcelo Rosenbaum, que coordenou a empreitada. O objetivo então foi construir um local que as crianças pudessem perceber como sua própria casa.
Para isso, o engajamento com a comunidade local na criação do novo edifício foi fundamental.
A equipe do projeto organizou uma espécie de festival com a participação da comunidade, ao longo de cerca de 15 dias. Durante esse tempo, foram realizadas diversas atividades com pais e filhos para perceber o que seria importante para eles em uma moradia estudantil e que pudesse gerar uma sensação de "casa".
mesas de ping-pongDireito de imagemLEONARDO FINOTTI
Image captionObra tem cobertura metálica e um andar todo vazado, sem paredes nem vidros
"A arquitetura é parte de uma ciência. Então, o nosso trabalho é quebrar esse olhar acadêmico. A gente chega para trocar com a comunidade, não para impor algo", diz Rosenbaum. O designer criou uma metodologia de trabalho voltada justamente a estabelecer esse tipo de troca com as comunidades.
Assim, arquitetos e comunidade escolar definiram que o tamanho dos quartos iria diminuir. De 40 crianças em 20 beliches, o dormitório passaria a ter 6 crianças em 3 beliches. Além disso, foram criadas salas de TV, áreas de estudo, espaços livres, muito jardim.
Uma outra estratégia para criar a noção de casa foi muito simples: construir o prédio um pouco afastado da escola, para que as crianças tivessem um trajeto para percorrer ao sair dali, como se fosse o caminho até chegar em casa.

Poder público teria como fazer um projeto como esse?

O custo da obra, pago pela Fundação Bradesco, não foi divulgado. No entanto, a equipe responsável defende que projetos como esse também podem ser feitos pelo poder público.
"É um projeto muito simples: cobertura metálica, madeira pré-fabricada, piso de cimento e o tijolo feito no local. Isso tornou a execução da obra mais barata e rápida - a construção levou somente 14 meses. Então, eu acho que seria totalmente possível que o poder público fizesse uma edificação como essa, não vejo porque não", defende Utrabo.
Assim, a dificuldade não é técnica e orçamentária, acredita Utrabo, mas política. "São poucos os casos em que o setor público tem um comprometimento com a arquitetura em benefício da população. Eles pensam (os políticos) que é mais importante resolver o problema logo, do que resolver bem o problema", conclui.
O arquiteto também afirma que um projeto bem pensado pode gerar benefícios de segunda ordem, como redução de custos (não ter que pagar a conta do ar condicionado, por exemplo), preservação ambiental (com projetos mais sustentáveis) e maior durabilidade.
vila estudantilDireito de imagemLEONARDO FINOTTI
Image captionEquipe responsável defende que projetos como esse também podem ser feitos pelo poder público
"A estrutura de madeira usada na obra tem garantia de 20 anos. Na França, por lei, todos os jardins de infância devem ser feitos em estrutura de madeira, porque é a mais segura que existe. Resiste ao fogo por mais tempo que qualquer outra", explica Utrabo.
Além da obra em si, o poder público poderia se valer da metodologia de trabalho que foi aplicada, que envolve a troca com a comunidade. "Isso é absolutamente replicável e escalável", afirma Marcelo Rosenbaum.
"Na maioria das vezes, a arquitetura é desconectada do ser humano. É feita a partir do saber técnico e científico, de cima para baixo, dizendo o que é que as pessoas precisam. É algo padronizado: em qualquer região do país, rural ou urbana", diz o arquiteto. "Precisamos mudar isso."
"O espaço urbano é feito por ser humano. Se não está conectado com o que as pessoas daquele lugar querem e precisam, as construções ficam fadadas ao abandono, ao não cuidado, ao não pertencimento", fala o designer.
Marcelo RosenbaumDireito de imagemDIEGO CAGNATO
Image captionMarcelo Rosenbaum (à esq.) coordenou construção da moradia estudantil

Fonte https://www.bbc.com/portuguese/brasil-46288724