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quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

Impeachment, legalização de drogas e afastamento de Cunha: Dez temas que dividiram o Brasil em 2015

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Image captionTensões se ampliaram entre grupos políticos opostos, e milhares de pessoas participaram de protestos para defender suas posições
Não bastasse ter sido um dos anos mais turbulentos da história recente no Brasil e no mundo, 2015 foi marcado também por longos e acalorados 'fla-flus' nas redes sociais.
Ou será que uma coisa levou à outra?
A verdade é que não faltou assunto que levasse a divergências – infelizmente nem sempre pacíficas – nos últimos 12 meses.
Confira, a seguir, dez temas (e pessoas) que dividiram os brasileiros neste 2015 que se aproxima do fim.

Impeachment

(Foto: AFP)Image copyrightAFP
Image captionA presidente Dilma Rousseff termina o ano tendo que lidar com um processo de impeachment e uma profunda crise econômica
Definitivamente não foi um ano fácil para a presidente Dilma Rousseff.
Reeleita em 2014 com uma margem apertada de votos, a petista viu seu novo governo mergulhar em uma crise política e econômica sem precedentes, que, aliada às novas revelações sobre o escândalo de corrupção na Petrobras, deram força a movimentos que querem seu afastamento.
Políticos, juristas e cidadãos se dividem sobre o tema: enquanto alguns veem motivos reais para que Dilma sofra um impeachment e dizem que sua saída ajudaria o país a voltar a crescer, outros opinam que não há nada contra ela e, por isso, afastá-la traria danos terríveis para a democracia brasileira e para a imagem do país no exterior, prejudicando ainda mais a economia.
Ao menos desde julho, quando o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) rompeu oficialmente com o governo, o país vivia sob o suspense constante de que ele deflagaria um processo de impeachment. Ironicamente, isso só ocorreu em dezembro, quando muitos achavam que o assunto já havia esfriado.

Eduardo Cunha

(Foto: Ag. Câmara)Image copyrightAg. Camara
Image captionO deputado Eduardo Cunha pode vir a ser afastado da presidência da Câmara em 2016
Segundo o noticiário político, o peemedebista antigamente era chamado por Dilma e seus assessores de "meu malvado favorito" – referência à animação sobre um vilão que acaba se revelando não tão vilão assim.
Porém, a verdade é que o deputado foi tão, mas tão "malvado" neste ano que certamente já está longe de ser o "favorito" da presidente.
Cunha já era visto como um inimigo dentro da base aliada mesmo antes de assumir a Presidência da Câmara, em fevereiro. E conforme as investigações da Operação Lava Jato foram o implicando cada vez mais no escândalo na Petrobras, esse clima de animosidade também cresceu. Ele culpou o governo pelo avanço das denúncias e se transformou no principal rival de Dilma, ofuscando até mesmo os tucanos, opositores naturais ao governo petista.
É aí que o deputado virou motivo de discórdia: embora os indícios de corrupção se avolumassem, ele foi poupado durante vários meses, não em consenso, pelo PSDB, por exemplo. O motivo é que, como presidente da Câmara, Cunha poderia – como, ao fim, o fez – colocar em tramitação o processo de impeachment contra Dilma, desejo número um dos oposicionistas.
Essa divisão também chegou a vários setores da sociedade, principalmente os que defendem a saída da presidente: valeria à pena manter o peemedebista, que corre risco de ter o mandato cassado, no comando da Câmara apenas para que ele aceitasse o pedido de afastamento da petista?
Sobre um ponto, porém, todos concordam: essa novela continua em 2016.

Mariana X Paris

Mariana, Minas Gerais, 5 de novembro. Uma barragem de rejeitos da mineradora Samarco se rompe. A enxurrada de lama destrói tudo por onde passa, deixa ao menos 17 mortos e desce o rio Doce rumo ao mar, inutilizando a água que abastece vários municípios e matando milhares de peixes.
Paris, 13 de novembro. Grupos de atiradores e homens-bomba fazem ataques coordenados em diversos pontos de Paris, matando pelo menos 130 pessoas. O grupo extremista autointitulado Estado Islâmico assume a autoria dos atentados e vira o inimigo nº1 de algumas das principais potências mundiais.
Duas tragédias totalmente diferentes, certo? Não para muitos dos usuários das redes sociais, que reclamaram da cobertura ostensiva que os ataques em Paris receberam da imprensa brasileira e do que chamaram de falta de atenção para o mar de lama de Mariana.
Outros internautas, por sua vez, passaram a reclamar daqueles que reclamavam do destaque dado a Paris. E alguns passaram então a reclamar dos que reclamavam daqueles que reclamavam desse destaque, e assim por diante.
(Antes que sobre para a gente: a BBC Brasil vem acompanhando desde o início os desdobramentos do desastre de Mariana. Algumas das nossas reportagens podem ser lidas aquiaquiaquiaquiaquiaquiaquiaqui e aqui.)

Joaquim Levy e seu ajuste fiscal

(Foto: Reuters)Image copyrightReuters
Image captionJoaquim Levy foi substituídona pasta da Fazenda pelo então ministro do Planejamento, Nelson Barbosa
Mesmo quem odeia falar de economia não teve como fugir em 2015. Inflação em alta, desemprego avançando, dólar atingindo os R$ 4 pela primeira vez na história...
Em meio à crise, o nome de Joaquim Levy, ministo da Fazenda, surgiu como uma esperança de que as coisas voltariam mais ou menos aos eixos.
Para isso, ele tentou implementar uma série de medidas – "remédios amargos", como definiu a presidente Dilma Rousseff – com o objetivo de colocar as contas públicas sob controle e melhorar os outros indicadores. Seguiram-se cortes em investimentos, redução de benefícios trabalhistas e outros.
Mas as opiniões se dividiram: Será que esse era realmente o caminho para corrigir os rumos do país? Ou esse pacote de medidas, conhecido como ajuste fiscal, só reduziria o dinamismo da economia, afastaria investimentos e levaria ao corte de postos de trabalho, aprofundando a crise?
O fato é que Levy teve êxito em algumas iniciativas, mas muitas derrotas pesadas. Desgastado, deixou o governo e foi substituído por Nelson Barbosa, que estava no Ministério do Planejamento.
E as previsões dos gurus da economia para 2016 não são nada animadoras.

Protestos

O "fla-flu" em que se transformou as discussões sobre um eventual impeachment de Dilma ficou evidente nas ruas.
De um lado, manifestações de pessoas vestindo verde e amarelo pediram que a presidente seja afastada – segundo institutos de pesquisa, em São Paulo elas eram, em maioria, compostas por integrantes das classe média e alta. De outro, atos convocados por centrais sindicais, movimentos sociais e partidos políticos de esquerda defenderam o mandato da petista.
Os dois grupos, obviamente, tentaram minimizar a relevância um do outro: enquanto defensores da saída de Dilma foram classificados de "coxinhas" e "golpistas" inconformados com a vitória dela em 2014, os protestos contra o impeachment foram acusados de "comprar" a presença de militantes.
O número de participantes dos atos também foi objeto de competição: enquanto os grupos anti-Dilma se gabam de ter levado 210 mil pessoas à manifestação de março em São Paulo, os contrários ao afastamento dela comemoram ter levado 55 mil à avenida Paulista no último dia 16 de dezembro, três dias após o ato rival levar 40,3 mil ao mesmo local – todos os números são do instituto Datafolha.

Refugiados

(Foto: EPA)Image copyrightEPA
Image captionMais de um milhão de refugiados entraram na Europa em 2015
A guerra civil na Síria não começou em 2015, mas foi neste ano que a questão sensibilizou o mundo todo.
Centenas de milhates de pessoas deixaram o país rumo principalmente à Europa, em travessias bastante perigosas por mar e/ou terra.
Tragédias se seguiram. As fotos do corpo do pequeno menino Alan Kurdi, de três anos, em uma praia da Turquia viralizaram nas redes sociais e dominaram o noticiário do início de setembro. Ele se afogou após o naufrágio de um barco clandestino que tentava alcançar a Grécia a partir da Turquia.
Com um fluxo antes inimaginável de pessoas tentando chegar ao continente, os países da Europa tiveram reações diferentes. Alguns, como a Hungria, chegaram a fechar suas fronteiras, enquanto outros, como a Alemanha, ampliaram o número de ofertas de asilo e defendiam uma ação conjunta da União Europeia para lidar com a questão.
O tema dividiu opiniões não só no Velho Continente, mas ao redor do globo. Estariam os europeus e outras potências, como os EUA, fazendo o suficiente para ajudar os sírios? Situações como a morte de Alan seriam evitadas se as fronteiras fossem abertas?
Enquanto isso, aumentaram as incursões internacionais na Síria, cuja guerra ainda parece longe de um fim.
O ano termina com a notícia de que mais de um milhão de refugiados entraram no continente europeu em 2015.

Ocupação de escolas

Tudo começou com um plano de reorganização da rede estadual de ensino de São Paulo, que incluía separação de escolas por ciclos, a transferência de 311 mil alunos e o fechamento de mais de 90 unidades.
Contrários a essas mudanças decididas pela gestão Geraldo Alckmin (PSDB), estudantes ocuparam quase 200 colégios no Estado a partir do início de novembro.
Seguiram-se manifestações nas ruas, que acabaram repetindo a história já vista nos já célebres protestos de 2013, que inicialmente se opunham ao reajuste das tarifas do transporte público: reprimidos duramente pela polícia, os atos ganharam o apoio popular, levando o poder público a recuar.
No entanto, a questão está longe de ser um consenso: há quem concorde plenamente com os estudantes e há quem veja na atitude deles "baderna", "insubordinação" e defenda a prerrogativa do governo estadual de fazer a reorganização como planejava.
No início da semana passada, 28 colégios ainda estavam ocupados, mesmo após Alckmin suspender o plano. Os alunos querem garantias de que ele não será retomado em 2016 e defendem a punição de policiais que se excederam na repressão às manifestações.

A questão das drogas

Image copyrightAg Brasil
Image captionA legalização da posse e consumo de drogas foi objeto de debate jurídico no Brasil
Neste ano, o STF começou a analisar uma ação que questiona a constitucionalidade da lei que prevê ser crime adquirir, guardar ou transportar droga para consumo pessoal, assim como cultivar plantas com essa finalidade.
O recurso foi movido pela Defensoria Pública de São Paulo em favor de um réu pego com 3 gramas de maconha na prisão. A Defensoria argumenta que a lei fere o direito à liberdade, à privacidade, e à autolesão (direito do indivíduo de tomar atitudes que prejudiquem apenas si mesmo), garantidos na Constituição.
O posicionamento do STF sobre o caso pode culminar na descriminalização do porte de drogas para o uso pessoal, tema polêmico que, é claro, rendeu acaloradas discussões.
Uns defendem que portar e usar drogas não atenta contra a saúde pública, mas apenas contra a do próprio indivíduo, e veem na proibição um cerceamento da liberdade de cada um. Também acham que a mudança na lei desafogaria o sistema carcerário, e que regulamentar o uso dessas substâncias ajudaria nas políticas de prevenção.
Já os contrários acreditam que liberar o consumo aumentaria o número de usuários e dependentes, além de intensificar o tráfico.
Por enquanto, foram proferidos três votos: Gilmar Mendes, o relator, defendeu a descriminalização, enquanto Luis Roberto Barroso e Edson Fachin defenderam liberar apenas a maconha. A votação parou após pedido de vista de Teori Zavascki, e deve se retomada em 2016.

Aborto

(Foto: Ag. Brasil)Image copyrightAg. Brasil
Image captionNovas leis podem dificultar ainda mais a prática de aborto no país
Em outubro, a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara aprovou um projeto de lei que, na prática, dificulta o acesso de vítimas de estupro ao aborto, permitido nesses casos.
O texto, de autoria de Eduardo Cunha, exige exame de corpo de delito e comunicado a uma autoridade policial para que o procedimento seja realizado e cria punições mais severas para quem fornecer substâncias abortivas.
A proposta provocou a ira de ativistas e outras pessoas, que veem desrespeito ao direito das mulheres e às vítimas de estupro, que seriam colocadas em uma situação ainda mais difícil ao terem de se submeter a exames policiais.
Por outro, parlamentares favoráveis ao texto dizem que ele ajudaria a punir estupradores, coibindo o crime. Alguns não negam influências religiosas e que visam atender aos ideais de seus eleitores ao dificultar o acesso ao aborto.
O projeto ainda será levado a plenário.

Definição de família

Neste ano, a Câmara dos Deputados decidiu discutir o conceito de família, revoltando ativistas e defensores dos direitos LGBT.
Uma comissão especial aprovou um texto definindo que a entidade familiar é "formada a partir da união entre um homem e uma mulher, por meio de casamento ou de união estável, e a comunidade formada por qualquer dos pais e seus filhos”. Ou seja, exclui as uniões estáveis homossexuais, reconhecidas pelo Supremo Tribunal Federal em 2011.
A aprovação do texto, que trata de regras para políticas públicas como saúde e educação, mostrou a força da bancada religiosa da Casa.
Segundo parlamentares defensores do projeto, a medida não tira direitos dos gays, mas apenas oferece proteção "especial" à família, que, para eles, é formada apenas pela união entre homem e mulher.
O texto polêmico continua em tramitação.

Fonte http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2015/12/151223_temas_dividiram_brasil_ab

terça-feira, 29 de dezembro de 2015

Por que não nascem bebês em Fernando de Noronha?

Foto: Alan SchvarsbergImage copyrightAlan Schvarsberg
Image captionProibição de partos no arquipélago causa indignação em moradores; governo estadual diz que faltam recursos, apesar de arrecadação da ilha com turismo
"É um pesadelo, você acha que nunca vai acabar. É uma sensação horrível você estar dentro de um quarto presa, às vezes sem dinheiro, longe da minha casa e da minha família."
A frase acima não descreve uma experiência de exílio ou na prisão, mas a espera da noronhense Laisy Francine Costa e Silva, de 19 anos, pelo primeiro filho. Como todas as gestantes do arquipélago pernambucano – que é um dos principais destinos turísticos do Brasil, santuário ecológico e Patrimônio Natural da Humanidade, segundo a Unesco –, ela precisa sair de casa no sétimo mês de gestação para dar à luz em Recife, a 545 km de distância.
Em 2004, foi desativada a única maternidade na ilha, no Hospital São Lucas, sob a justificativa de que o custo de manutenção da estrutura era alto demais para a média de 40 partos por ano realizados na ilha principal, a única habitada. Há 10 anos, no entanto, o impedimento causa indignação entre os moradores, que falam em "violação do direito de nascer".
Agora, o documentário Ninguém nasce no paraíso, do brasiliense Alan Schvarsberg, conta a história de mães insatisfeitas com a situação. Ele descobriu o tema quando ministrava uma oficina de videoativismo em Noronha há dois anos.
"Estávamos falando sobre temas que eles queria abordar e a proibição do parto foi a que mais apareceu. Mulheres e homens diziam que queriam falar sobre isso, mas que tinham receio de falar", diz.
"O ruim é que você sai da sua casa", disse à BBC Brasil Monique Souza, de 27 anos, que teve sua primeira filha em 2013 e é uma das entrevistadas no documentário. "Tenho uma casa em Recife, mas meu marido ficou (em Noronha). Tenho um irmão especial e minha mãe teve que deixá-lo lá. E ainda tivemos que sustentar duas casas durante esse tempo."
Por lei, não há proibição formal para o nascimento de crianças em Fernando de Noronha. No entanto, a Coordenadoria de Saúde do arquipélago, que tem sede em Recife, se encarrega de fazer com que as mães deixem o local a partir da 34ª semana de gestação – mesmo que seja preciso insistir.
"Tinha umas 40 mulheres grávidas aqui na época e umas quatro iam dar à luz no mesmo período que eu. Elas me chamaram para pagar um médico para fazer o parto, mas depois as assistentes sociais me explicaram que não tem UTI, que se acontecesse algo, podia ser um problema", relembra Monique.
"Ouvi falar que chegaram a dizer a outras mães que a culpa seria delas, se o bebê tivesse complicações."

'Olhando para as paredes'

Foto: ThinkstockImage copyrightThinkstock
Image captionGestantes precisam sair da ilha no sétimo mês de gravidez e retornam cerca de 15 dias após dar à luz os bebês
De acordo com a coordenadoria de saúde da ilha, as gestantes fazem pré-Natal pela rede pública em Noronha até o sétimo mês de gravidez e, depois, são encaminhadas para Recife. Todas têm suas passagens de ida e volta – incluindo um acompanhante – pagas. O voo dura 1 hora e 20 minutos.
Em casos específicos, podem também receber hospedagem no hotel Uzi Praia durante todo o período na capital pernambucana, com três refeições e transporte para as consultas médicas. E seus partos são feitos do IMIP, hospital de referência em pediatria na capital.
Nem todas as mães, no entanto, se dizem satisfeitas com as condições.
Quando teve o primeiro filho, em 2011, Silvia Souza da Silva, de 22 anos, diz não ter recebido assistência apropriada. "Eles só me deram a passagem e marcaram para eu ir numa clínica. O médico entrou mudo e saiu calado. Tive meu filho em outro hospital porque uma amiga da minha família fez meu parto."
"No meu segundo filho (nascido há cerca de três meses), exigi o hotel porque soube que outras pessoas tinham ficado lá. Se você não exigir seus direitos, eles não dão assistência a você."
Uma das queixas mais comuns entre as mães é a solidão e a falta de opções de lazer durante a espera pelo nascimento do bebê – especialmente quando não se tem tanto dinheiro.
"A gente ia do hotel para o hospital e do hospital para o hotel. É difícil ficar dentro de um quarto olhando pra as paredes. Eu levei meu filho de 4 anos, e para ele também foi difícil. Aqui em Noronha ele brinca no quintal, pode correr. Lá, só podia ficar no quarto", relembra Silvia.

'Falta de recursos'

Para Marilde Martins da Costa, de 59 anos, que cumpre seu terceiro mandato no Conselho de Noronha, o "problema é meramente político".
"Não justifica termos uma parturiente ou duas em um mês, termos um voo saindo diariamente para Noronha e não podermos ter um médico que venha fazer um parto aqui e um anestesista. Eles viriam num dia e voltariam no outro", disse à BBC Brasil.
Segundo a coordenadora de saúde de Noronha, Fátima Souza, é inviável reabrir a maternidade em Noronha, principalmente por falta de recursos para sustentar a operação.
"Uma maternidade, para funcionar, precisa de toda uma estrutura. E nós temos, no máximo, 40 partos ano em Noronha. Não teria como manter essa estrutura e não teria pessoal suficiente", disse à BBC Brasil.
"Eu acredito que essas pessoas estão resguardadas de um problema maior. Porque deixar essas pessoas na ilha sem as condições para atendimento de alta complexidade, que a gente sabe que pode acontecer, é um complicador muito maior do que quaisquer transtornos por questões emocionais."
Foto: Emilia SilbersteinImage copyrightEmilia Silberstein
Image captionMães como Monique (foto) reclamam de solidão e dificuldades financeiras durante período final da gestação, em Recife
Souza diz que, para manter a operação permanente da maternidade do Hospital São Lucas, o único da ilha, seriam necessários pelo menos R$ 150 mil reais mensais. Segundo dados da Coordenadoria de Saúde, a administração gastou cerca de R$ 76 mil só com as passagens de avião de ida e volta das 30 mulheres que tiveram filhos naquele ano e seus acompanhantes. Em 2015, até outubro, o gasto foi de R$ 82 mil.
A pasta ainda informou à reportagem que o distrito de Fernando de Noronha recebeu cerca de R$ 2,7 milhões em repasses dos governos estadual e federal para a saúde em 2014. Nesse ano, a cifra caiu para menos da metade – pouco mais de R$ 1 milhão.
Questionada pela reportagem, o governo de Pernambuco não respondeu se seria possível utilizar, parte da arrecadação da ilha com a Taxa de Preservação Ambiental – cobrada diariamente de todos os visitantes – para reativar a maternidade da ilha. Em 2014, segundo informações obtidas via Lei de Acesso à Informação, a arrecadação com a taxa foi de quase R$ 16 milhões.

'E a fome de madrugada?'

Laisy Francine teve seu primeiro filho há um mês, acompanhada da irmã e do sobrinho de um ano. Ela falou com a reportagem da BBC Brasil pouco antes de dar à luz Arthur. "Não tenho o que falar do hotel, o pessoal é atencioso. Só do que tenho que reclamar é terem me tirado do conforto da minha casa e da minha família. A situação é muito ruim", disse, ansiosa, ao telefone.
Segundo Laisy, que não tem parentes com quem se hospedar em Recife, uma assistente social em Noronha chegou a negar sua solicitação de hospedagem no hotel, com a justificativa de "corte de gastos". "Fiquei logo nervosa, comecei a chorar", lembra.
A Coordenadoria de Assistência Social nega que um corte de gastos tenha sido o motivo da negativa inicial, mas Laisy afirma que teve que insistir para conseguir a hospedagem. "Nunca vi isso. Até no interior mais brabo de Pernambuco tem maternidade. Eu ameacei ir na Justiça, procurar meus direitos. Dias depois me disseram que 'depois de muitos argumentos' conseguiram hotel pra mim."
Com a gravidez, ela teve de deixar o emprego de vendedora de sorvete, em que ganhava R$ 50 por dia. Sua mãe, que tem uma barraca de praia, envia dinheiro semanalmente para as despesas das irmãs.
"Se eu não tivesse minha mãe, como eu ia fazer? Vê só o que eles não estão passando lá pra mandar esse dinheiro pra a gente. Ela manda de pouco em pouco, mas já gastei de R$ 5 mil a R$ 7 mil", afirma.
"Tem vezes que a comida não é boa, então eu vou e boto do meu dinheiro. Tem coisas que não gosto de comer, então não como. E aquela fome de madrugada? Porque mulher grávida come que só a moléstia."
Foto: ThinkstockImage copyrightThinkstock
Image caption'Nó de Noronha' faz com que moradores tenham receio de levar reclamações sobre o tratamento das grávidas às autoridades, segundo cineasta
A assistente social que se encarrega da assistência às mães em Recife, Talita Lima, diz que não é comum receber queixas relativas à angústia das gestantes.
"Algumas delas já colocaram questões no hotel, como lençóis que precisam trocar mais vezes, a comida que acham que pode estar mais gordurosa. Procuramos o pessoal do hotel para conversar e resolver as situações", disse à BBC Brasil.
Todas as mães com quem a reportagem conversou, no entanto, reclamaram do custo emocional de serem separadas de suas famílias, com pouco dinheiro e poucas opções de lazer no último período da gestação.
"Se a pessoa não for forte, ela entra em uma depressão muito profunda, porque para sair aqui tem que ter muito dinheiro. Eu não sei andar aqui, tenho que sair de táxi", disse Laisy.

'Nó de Noronha'

Alan Schvarsberg, diretor do filme Ninguém nasce no Paraíso, acredita que a expressão "nó de Noronha", que aprendeu na ilha, pode ajudar a explicar o porquê de as reclamações das mulheres nem sempre chegarem às autoridades.
"O 'nó de Noronha' expressa a relação de interdependência da comunidade diante da realidade de viver numa ilha. Pelo fato de tudo vir do continente, até a água potável, as pessoas todas se conhecem e dependem umas das outras e da administração. Então há o receio de falar alguma coisa e sofrer represálias", afirma.
"A meu ver, esta é uma forma de extermínio muito perversa da população local. As mulheres podem registrar seus filhos, nascidos em Recife, como noronhenses, mas a gestação está se tornando algo muito traumático. Isso está fazendo com que, pouco a pouco, menos mulheres queiram engravidar", afirma.
Mesmo animada com a chegada do bebê, Laisy afirma que vai pensar duas vezes antes de dar a ele um irmão ou irmã.
"Eu gosto muito de criança, mas para passar isso de novo eu não quer ter filho mais não, Deus me livre. Só se vier morar aqui fora", diz.



Camilla Costa - @_camillacostaDa BBC Brasil em São Paulo
Fonte http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2015/12/151113_noronha_partos_cc