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quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

O mistério dos corpos de mais de 2 mil anos achados em pântanos da Dinamarca

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Adam H Graham
BBC Travel

Cientistas suspeitam que brejos dinamarqueses eram locais de depósito de sacrifícios humanos para divindidades da Idade do Ferro
A linha férrea entre a alemã Hamburgo e Copenhague, capital da Dinamarca, tem uma paisagem repleta de brejos. E a exemplo do que vem acontecendo em outras localidades do norte europeu, da Irlanda à Polônia, esses pântanos têm se revelado misteriosas tumbas.
Corpos de 2 mil anos de idade vêm sendo descobertos, e muitos arqueólogos acreditam que se tratam de vítimas de sacrifícios religiosos da Idade do Ferro (período iniciado em 1.200 a.C. em regiões da Ásia e da Europa), mortas e delicadamente depositadas nos pântanos como uma oferenda aos deuses.
Outros acadêmicos, porém, especulam que podem ser criminosos, imigrantes ou viajantes.
A Dinamarca tem uma das maiores concentrações de brejos - e de corpos encontrados - do mundo. Boa parte está perfeitamente preservada por causa de ácidos produzidos pelo musgo que é tão presente nesse ecossistema.
Muitos corpos foram acidentalmente descobertos por coletores de turfa, substância gerada pela decomposição de vegetais de áreas alagadas que os dinamarqueses ainda usavam como combustível entre 1800 e 1960.
Autópsias modernas revelaram que quase todas as vítimas - homens ou mulheres - sofreram mortes violentas. Algumas tinham marcas de forca ou cordas ao redor dos pescoços. Outras, as gargantas cortadas.

Homem de TollundImage copyrightGETTY IMAGES
Image captionO Homem de Tollund foi enforcado e depositado na lama há 2.400 anos, mas de tão preservado apresenta até vestígios de barba

Pouco se sabe sobre a Dinamarca na Idade do Ferro, já que, por exemplo, não havia uma língua escrita local e poucos documentos escritos por gregos e romanos sobreviveram. Podemos apenas especular sobre o que aconteceu.
Mas há um detalhe importante: nessa época, a maioria das pessoas era cremada. Sendo assim, por que os chamados "corpos do pântano" tiveram um destino diferente? Foi o que quis descobrir.

Choque

Minha primeira parada foi Vejle, uma cidade de 100 mil habitantes a 240 km de Copenhague.
Lá, encontrei Mads Ravn arqueólogo-chefe do Vejle Museum, que tem uma fascinante coleção de artefatos, incluindo moedas romanas e broches com a suástica, símbolo que existiu milhares de anos antes dos nazistas.
Todos encontrados em pântanos e considerados oferendas a deuses, possivelmente da Idade do Ferro.
Em um sarcófago de vidro disposto em um salão escuro nos fundos do museu está o corpo da Mulher Haraldskaer, que tem uma expressão de choque em sua face.
Seu rosto não era tão pacífico como o de outros "corpos do pântano" que tinha visto em livros. Era algo estranho, que me fez sentir que estava invadindo sua privacidade.

Floresta dinamarquesaImage copyrightALAMY
Image captionCondições ácidas em solo e água dos brejos dinamarqueses podem preservar corpos por séculos

"Quando ela foi descoberta por extrativistas, em 1835, pensaram que era a rainha viking Gunhildd, que, de acordo com lendas nórdicas, teria sido afogada pelo marido, Harald Bluetooth", explica Ravn.
"Mas isso não é verdade, pois testes de carbono mostraram que ela tem cerca 2,2 mil anos de idade".
A Mulher Haraldskaer foi encontrada nua, ao lado de um manto, e tinha sido presa ao fundo por galhos de árvores possivelmente depois de morta.
Sulcos em seu pescoço sugerem estrangulamento, e análises forenses adicionais revelaram o conteúdo de seu estômago na hora da morte, incluindo milho-painço e amoras - uma refeição estranha em uma sociedade orientada para o consumo de carne.
"Estamos fazendo análises de isótopos em seu cabelo e trabalhando com uma nova técnica de DNA que extrai material de seu ouvido interno para descobrirmos mais sobre ela", conta o arqueólogo.

Mágico e sobrenatural

Ravn e eu dirigimos 10 km para o oeste até o Pântano Haraldskaer, onde a mulher foi descoberta.
Assim como os pântanos que vi do trem, estava coberto por algas verdes brilhantes e cercado por uma camada densa de árvores com cogumelos roxos. Há algo mágico e até sobrenatural, e é fácil ver o porquê de terem sido escolhidos como locais de sacrifício, e porque ainda exercem magnetismo nos dias de hoje.
A próxima parada era Aarhus, a segunda maior cidade dinamarquesa, para visitar o Moesgaard Museum, que abriga uma das melhores coleções sobre a Idade do Ferro na Europa.
A estrela da companhia aqui é o Homem de Grabaulle. Encontrado em 1952, esse corpo extremamente bem preservado encontra-se em posição deitada, pés e pele praticamente intactos, bem como a face, que tem uma expressão serena.

Homem de GrauballeImage copyrightROBERT HARDING/ALAMY STOCK PHOTO
Image captionO Homem de Grauballe é a principal atração do Moesgaard Museum

"Assim como a maioria dos corpos encontrados em pântanos, seu cabelo e pele ficaram avermelhados por causa de um processo químico conhecido como reação de Maillard", explica Pauline Asingh, diretora de exibições do museu. "Ele é realmente um homem bonito."
Mas o olhar tranquilo do Homem de Grabaulle contrasta com a evidência de seu fim violento.
"Ele foi forçado a se ajoelhar, e sua garganta foi cortada de orelha a orelha por alguém de pé por trás dele. Mas ele foi colocado com delicadeza no pântano. Pode parecer violento para nós, mas sacrifícios eram uma parte importante da vida cultural desse período", diz Asingh.
O museu também tem em seu acervo evidências de que os sacrifícios não eram limitados a humanos: em 2015, 13 cães do ano 250 a.C. foram encontrados no Pântano de Skodstrup, perto de Aarhus.
A parada final foi Silkeborg, a 44km a oeste de Aarhus. Lá, o Museum Silkeborg exibe "corpos do pântano" e um deles é considerado um dos mais bem-preservados espécimes do mundo.
O Homem de Tollund, de cerca de 2,4 mil anos de idade, está tão bem conservado que autoridades dinamarquesas pensaram que ele era um menino desaparecido quando foi encontrado, em 1950.

Homem de TollundImage copyrightROBERT HARDING/ALAMY STOCK PHOTO
Image captionExpressões faciais do Homem de Tollund impressionam

Assim como outras vítimas, ele foi enforcado. A corda que ajudou a matá-lo ainda estava enrolada em torno de seu pescoço, e seu rosto estava perfeitamente intacto.
Na sala ao lado estava a Mulher de Elling, achada a apenas 40 metros do Homem de Tollund e que deve ter morrido na mesma época. Também se acredita que ela tenha sido enforcada, e é uma atração popular por causa de seu cabelo vermelho, amarrado em uma longa trança de 90 cm de comprimento, com um elaborado nó.
Ole Nielsen, o arqueólogo do museu, me levou para visitar Bjaeldskovdal, um pântano 15 km distante de onde os corpos foram encontrados.
Ao pararmos para observá-lo, pensei em quais outros segredos suas profundezas turbas poderiam esconder.

Fonte http://www.bbc.com/portuguese/vert-tra-38102988

quarta-feira, 28 de dezembro de 2016

As incríveis invenções que facilitam a vida de idosos no Japão

Leia também: LITURGIA DA PALAVRA
Image copyrightKAREN KASMAUSKI/GETTY
Em 2030, quase um terço da população do Japão será formada por idosos

O Japão é o país com a maior proporção de idosos do mundo: mais de 26% da população tem 65 anos ou mais.
Em 2015, o número de pessoas com mais de 80 anos alcançou 10 milhões pela primeira vez, e a perspectiva é que o envelhecimento continue avançando.
Autoridades calculam que praticamente um terço da população japonesa será idosa em 2030.
Mas o Japão também é um dos países em que a terceira idade desfruta de melhor qualidade de vida - depois de Suécia e Noruega -, segundo informe de 2013 da HelpAge International, rede internacional de organizações pelo direito dos idosos.
E a forma como o país usa a tecnologia tem muito a ver com isso. Confira.

1. Códigos QR nas unhas para problemas de memória

A demência é uma das enfermidades que mais afetam as pessoas em terceira idade em todo o mundo.
Mas o país asiático encontrou uma solução para que, na medida do possível, pessoas afetadas por problemas de memória possam encontrar o caminho de casa caso se percam.
Código QR em IrumaImage copyrightGETTY IMAGES
Image captionOs adesivos com códigos aderem às unhas e fornecem dados básicos sobre a pessoa
Em Iruma, cidade ao norte de Tóquio, muitos moradores com demência senil estão sendo monitorados por meio de códigos de barra quadrados, os QR codes, instalados nas unhas dos dedos das mãos e pés.
Os QR codes também são conhecidos como "códigos de resposta rápida" (daí a sigla QR, iniciais de "quick response", "resposta rápida" em inglês) e armazenam informações pessoais em uma matriz de pontos ou em um código de barras bidimensional.
Esses códigos estão sendo colocados em adesivos de um centímetro, e reúnem dados do idoso, como endereço de casa e telefone de contato.
O serviço é gratuito e foi lançado em dezembro de 2016 pela primeira vez no país.
A tecnologia permite à polícia obter dados pessoais da pessoa apenas escaneando o código, que é a prova d'água e pode ficar grudado na unha por até duas semanas.
Segundo um policial relatou à agência de noticias AFP, o novo método tem vantagens em relação ao sistema anterior.
"Já existiam adesivos com QR codes para roupa ou sapatos, mas pessoas com demência nem sempre os usavam."

2. Carrinhos de golfe

Wajima, no oeste do país, acabou de lançar um novo serviço automático e gratuito de carrinhos de golfe para facilitar o deslocamento de moradores mais velhos.
Carrinho de golfe automáticoImage copyrightASAHI SHIMBUN
Image captionO serviço com carrinho de golfe funciona quatro horas por dia
O objetivo também é reduzir o crescente número de acidentes de trânsito, muitos causados por motoristas de idade avançada.
Com a medida, autoridades locais pretendem aumentar a segurança e também atrair turistas à cidade, uma pequena vila costeira.
Nos carros de golfe, controlados por um imã e um sensor integrado, os idosos podem se deslocar até três quilômetros a uma velocidade entre 6 e 12 km/h sobre uma faixa eletromagnética escondida sob a pista.
Os veículos têm motorista e possuem cortinas para proteger os passageiros da chuva e do vento, conforme informou o jornal japonês Asahi Shimbun.
Mas há um porém: o serviço opera apenas por quatro horas duante o dia e não está disponível à noite.

3. Robôs

O Japão é um dos países que mais investem em robôs para ajudar no cuidado com idosos.
Em 2013, o primeiro-ministro do país, Shinzo Abe, anunciou investimento de cerca de US$ 18 milhões (R$ 59 milhões) para desenvolver esse tipo de tecnologia.
Robô Ri-ManImage copyrightAFP
Robô Ri-ManImage copyrightAFP
Image captionRobôs para cuidado de pessoas mais velhas são populares no Japão; um deles é o "Ri-Man" (na foto), desenvolvido há uma década
Mas mesmo naquela época o Japão já somava anos de investigação na área.
Em 2006, o Centro Riken de Investigação Científica para Assuntos Emergentes desenvolveu um robô-enfermeiro batizado "Ri-Man", cujos braços, feitos de silicone, permitem transportar pessoas mais velhas, entre outras funções.
"O país considera necessário construir robôs e sistemas para auxílio domiciliar à saúde. Sem eles o sistema de saúde do país não existiria", afirmou à BBC a cuidadora de idosos Yasuko Amahisa.
"Simplesmente haverá muitos idosos para cuidar, porque o país enfrenta uma redução drástica da taxa de natalidade, envelhecimento da população e perda dos laços familiares", acrescenta.
"E acima de tudo o Japão quer que seus sonhos sobre robôs domésticos se tornem realidade porque sua política é claramente contrária à imigração."
Mas a maioria prefere humanos às máquinas. Ou, em caso de defeitos das máquinas, os bichos.
Talvez por esse motivo um robô com aspecto de foca esteja fazendo tanto sucesso.
Robô focaImage copyrightYAMAGUCHI HARUYOSHI/GETTY
Image captionRobô foca faz companhia e ajuda doentes de Alzheimer
Esse bichinho mecânico, chamado Paro, não ajuda a lavar pratos ou transferir um idoso da cama à cadeira, mas oferece outro tipo de assistência fundamental: a sensação de companhia.
O robô foi projetado especificamente para ajudar pessoas com mal de Alzheimer e outros tipos de demência.
"Paro é meu amigo", diz à BBC Kazuo Nashimura, morador de asilo no Japão. "Gosto porque ele parece entender as emoções humanas."
Mas alguns veem os robôs como uma tecnologia que ameaça substituir cuidadores e parentes na atenção a entes queridos.
"Certos dispositivos robóticos podem melhorar a vida de uma pessoa que está sozinha", afirma Nick Hawes, especialista em robótica da Universidade de Birmingham, no Reino Unido.
"Mas isso não deveria eximir a sociedade de sua obrigação de encontrar novas formas de dar contato humano aos mais velhos", avalia.
"Pensar que poderíamos dar um robô a eles e não nos preocuparmos mais é um enfoque errado."
Casa para idosos no JapãoImage copyrightDANIEL BEREHULAK/GETTY
Image captionMuitas vezes a velhice é acompanhada pela solidão
Fonte http://www.bbc.com/portuguese/internacional-38431831

2016 foi realmente um ano difícil para a democracia?

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Max Seitz, @maxseitz
Da BBC Mundo
2016 foi um ano de surpresas eleitorais, como a vitória de Trump nos EUA
Se 2016 vai ser lembrado por alguma coisa no futuro é porque, em vários países ocidentais, eleitores infelizes ou esquecidos pelo "establishment" viraram o tabuleiro político de cabeça para baixo.
Foi um ano que surpreendeu muita gente, mas não esses eleitores, que se sentiram vingados em processos democráticos como eleições e plebiscitos, nos quais antes não estavam interessados.
Essa virada teve ainda uma particularidade ideológica: "O descontentamento e incerteza de um setor da população foi explorado pela direita", disse à BBC Mundo - o serviço em espanhol da BBC - David Held, professor de Política e Relações Internacionais da Universidade de Durham, no Reino Unido.
Líderes atípicos, que antes tinham sido considerados "politicamente incorretos", como Donald Trump nos EUA, Nigel Farage no Reino Unido e Beppe Grillo na Itália, transformaram-se em vozes triunfantes desse eleitorado.


Donald TrumpImage copyrightREUTERS
Image captionO triunfo de Trump Donald Trump consolidou uma nova maneira de fazer política, segundo analistas

"Claramente, estamos no início de uma nova era", diz Held, autor de numerosos artigos e livros sobre democracia e globalização.
"É uma época marcada pelo triunfo do medo e da raiva, por um flagrante desrespeito à verdade, pela xenofobia, o enfraquecimento das ideias liberais e a rejeição das conquistas da globalização econômica."
Tudo isso fez com que 2016 deixe uma série de perguntas fundamentais e desconfortáveis: a democracia tal como nós a conhecemos está em crise?

"O pior ano"

"A democracia teve uma década ruim", disse o professor Brian Klaas, especialista em Políticas Comparadas e Democracia Global na London School of Economics, no Reino Unido.
Segundo ele, desde 2006 vários indicadores mostram que, ano após ano, o mundo tornou-se menos democrático; regimes autoritários se espalharam e deixaram raízes em lugares considerados democráticos, como nas Filipinas, com o presidente Rodrigo Duterte, que recentemente se comparou a Adolf Hitler.
E sobre este ano Klaas concluiu sem hesitação: "Na última década, 2016 foi claramente o pior ano para a democracia no mundo".
"E não apenas em termos de resultados individuais das eleições e plebiscitos, mas também porque um número crescente de pessoas está questionando a democracia como a forma ideal de governo."

O choque do Brexit

O primeiro grande feito global que confundiu muitos em 2016 foi o plebiscito sobre a União Europeia no Reino Unido em 23 de junho.
Ao contrário do que os analistas e pesquisas tinham previsto, a maioria dos britânicos votou por deixar o bloco comum.
Existe consenso entre os analistas de que a vitória do "Não" ocorreu porque, mais do que de um plebiscito sobre a UE, foi uma consulta sobre imigração, sobre os medos das pessoas ante o futuro e sobre a utopia de que o Reino Unido pode ser mais próspero de forma independente.


BrexitImage copyrightTHINKSTOCK
Image captionO Brexit foi o primeiro grande baque do ano para a democracia

"A coisa incrível do plebiscito no Reino Unido é que muitos não responderam à pergunta", diz David Held, da Universidade de Durham.
"O que destaca o problema fundamental de tais consultas: elas não são adequadas para definir problemas complexos cruciais para o destino de um país."
Klaas concorda e acrescenta: "A simples pergunta do referendo, sobre permanecer ou sair da UE, envolvia uma série de questões complexas e inter-relacionadas, e dificilmente poderia decidir-se sobre eles com as informações disponíveis naquele momento e em um período tão limitado".
Ambos os estudiosos chamam a atenção para o fato de que muitos eleitores decidiram votar com base em uma mentira: a promessa de campanha do "Não" (reconhecida a posteriori como falsa pelos seus promotores) de que, com sua vitória, US$ 430 milhões extras seriam injetados no serviço nacional de saúde.


Nigel FarageImage copyrightPA
Image captionNigel Farage, uma das figuras da campanha pela saída do Reino Unido da União Europeia

Avanço da extrema-direita na Europa

Mas o Brexit foi apenas um dos contornos de um processo mais amplo que marcou a Europa em 2016: o avanço da extrema-direta em diversos países.
A Espanha passou por grandes obstáculos para formar um novo governo. Na Itália, veio a derrota humilhante (e a renúncia) do primeiro-ministro Matteo Renzi, em um plebiscito para reformar o sistema político.
Da mesma forma que no Reino Unido, a direita italiana, liderada por Beppe Grillo, saiu fortalecida usando um discurso contra o sistema e de rejeição à União Europeia e suas "imposições" econômicas e políticas.


O primeiro-ministro da Itália Matteo Renzi renunciou após um plebiscito sobre reforma política em mais uma das reviravoltas políticas do anoImage copyrightEPA
Image captionO primeiro-ministro da Itália Matteo Renzi renunciou após um plebiscito sobre reforma política em mais uma das reviravoltas políticas do ano

Na França e na Alemanha, os movimentos de extrema-direita populista de Marine Le Pen e da Alternativa para a Alemanha (AFD), respectivamente, ampliaram sua base de apoio, também com um programa anti-establishment e a rejeição a estrangeiros. Os dois grupos devem se consolidar nas eleições do próximo ano.
Na Áustria, o candidato presidencial da mesma tendência política, Norbert Hofer, perdeu por pouco, mas deixou claro que representa uma força crescente.


Marine Le PenImage copyrightGETTY IMAGES
Image captionMarine Le Pen, líder da Frente Nacional, é representante da extrema direita na França

A carta vencedora de Trump

No entanto, talvez o mais marcante do ano foi o que aconteceu nos EUA, a mais poderosa democracia do mundo.
O magnata Donald Trump não só impressionou ao vencer a primária republicana, mas também ao alcançar uma vitória confortável na eleição presidencial de 8 de novembro.
E o fez protagonizando uma campanha que anos antes não teria ido longe.
Sob o lema Make America Great Again, algo como "Tornar a América grande de novo", atacou frontalmente o establishment de Washington, a quem acusou de corrupto e distante das necessidades do eleitorado.
Ele apresentou os imigrantes como criminosos (disse que a maioria dos mexicanos que cruzam a fronteira "são estupradores") e como uma ameaça à segurança do país, e prometeu construir um muro entre os EUA e o México.


Donald Trump e Hillary ClintonImage copyrightREUTERS
Image captionEm sua campanha, Trump insultou sua rival democrata Hillary Clinton

Trump descreveu a mudança climática como uma farsa promovida pela China e prometeu cancelar grandes tratados comerciais entre seu país e outras regiões do mundo, favorecendo o protecionismo.
Enquanto isso, elogiava um líder cada vez mais marcada pelo autoritarismo, o presidente russo, Vladimir Putin.
Tudo isso em meio a alegações de assédio sexual que ele negou, comentários misóginos, insultos diretos à sua rival democrata Hillary Clinton e resistência para divulgar sua polêmica declaração de impostos.
Além disso, houve as constantes idas e vindas de seus discursos.
"O caso de Trump significou a consolidação de uma nova tendência na política", diz o acadêmico britânico David Held. "Ele mostrou que você pode dizer qualquer coisa em público sem sofrer consequências."
Mas não é só isso: em sua subida rumo à vitória a internet esteve no centro da cena. Houve alegações - rechaçadas pela campanha do republicano- de que notícias falsas disseminadas pelo Facebook contribuíram para o seu sucesso e que os hackers russos realizaram ataques cibernéticos nos Estados Unidos com o mesmo fim.


FacebookImage copyrightTHINKSTOCK
Image captionUm dos elementos da vitória inesperada de Trump foram as notícias falsas que circularam pelo Facebook

Razões históricas

Segundo os analistas ouvidos pela BBC, as razões para o sucesso de Trump e do Brexit, para citar os casos mais importantes do ano, são mais profundas e abrangentes do que se poderia imaginar.
Para começar, "a crise financeira de 2008 teve um impacto negativo sobre os pobres e as classes trabalhadoras, que pagaram o preço da derrocada", diz Held.
Além disso, a globalização enriqueceu as cidades, mas as grandes zonas desindustrializadas e rurais foram deixadas de fora.
"O sistema global em que temos vivido nos últimos 30 a 40 anos tem produzido desigualdade social e desemprego", afirma o historiador italiano Federico Romero, do Instituto Universitário Europeu (EUI, na sigla em inglês).
"E em muitos países ocidentais, está corroído, em alguns setores da população, o sentimento de identificação com a ordem democrática."


Bolsa de Nova YorkImage copyrightGETTY IMAGES
Image captionPara especialistas, a crise financeira de 2008 teve um impacto sobre as democracias ocidentais.

A essa equação é adicionada a instabilidade no Oriente Médio, que "tem impulsionado a migração e alimentado os fantasmas de terrorismo na Europa e nos Estados Unidos", de acordo com Held.
O cientista político britânico acrescenta: "Outro fator igualmente importante é o surgimento de sociedades em rede, onde a internet tem dado voz à dissidência, mas também tem criado círculos diferentes de informação em que o conteúdo é adaptado a determinadas ideologias, o que contribui para reduzir a visão pessoal do mundo."

Democracia em crise?

Em vista de tudo o que aconteceu na arena política, as grandes perguntas que 2016 deixa são se a democracia está em crise no Ocidente e, em caso afirmativo, o que exatamente está errado.
Quanto à primeira questão, os analistas consultados não concordam se é o próprio conceito de democracia que está com problemas.
Brian Klaas, da London Schoolf Economics, diz que sim: "As pesquisas encontraram provas claras de que houve uma erosão na ideia de democracia nas sociedades ocidentais".
Federico Romero, do EUI, acha que não: "O princípio democrático está enraizado em muitas sociedades e não há ninguém que o está questionando abertamente. O que observamos são tendências mais autoritárias dentro desse sistema de governo."
Todos os entrevistados concordam, no entanto, que a democracia não está funcionando corretamente.
"No Ocidente, o sistema democrático não está dando resultados a muita gente; não consegue resolver suas maiores preocupações", diz Klaas.
Ao que David Held, da Universidade de Durham, acrescenta: "Que tenhamos eleições e plebiscitos não significa que a democracia esteja resolvendo os problemas dos cidadãos. É a qualidade da democracia que está em jogo".
Mas por que falha agora um sistema político criado na Grécia antiga? Quais engrenagens pararam de funcionar?

O que vai mal

Acadêmicos consultados pela BBC disseram que há três mecanismos importantes que não estão funcionando bem nas democracias ocidentais.
Em primeiro lugar, a desconexão dos partidos políticos tradicionais com o eleitorado.


Os Image copyrightTHINKSTOCK
Image captionOs "eleitores flutuantes", que podem decidir uma eleição, são uma realidade cada vez mais frequente.

De acordo com Held, esses grupos "têm cortado seus laços com os eleitores pela incapacidade de mudar suas vidas e perderam força frente as organizações sociais e o poder das redes sociais."
"Eles são dinossauros da política, não têm a vitalidade necessária para mobilizar uma grande quantidade de votos."
De acordo com especialistas, o eleitorado não tende a seguir partidos institucionalizados, mas opta por uma alternativa mais direta: votar em quem vai fornecer o que você precisa sem importar muito a identificação política.
O que nos leva ao segundo elemento que está errado, segundo os analistas: as democracias cada vez mais têm dificuldade de construir maiorias.


ParlamentoImage copyrightTHINKSTOCK
Image captionPara os entrevistados, os partidos políticos perderam sua conexão com o eleitorado

"Em muitas sociedades ocidentais, há uma crescente polarização na política. Nelas, ceder virou uma palavra ruim e consenso, uma memória distante", diz Brian Klass, da London School of Economics.
Como resultado, Klaas continua, as decisões democráticas parecem repousar sobre um grande número de "eleitores flutuantes" que podem decidir uma votação apertada em qualquer direção.
"Na verdade, as grandes escolhas de 2016 foram resolvidas por uma margem estreita", diz.
Claro que isto é um perigo, adverte Federico Romero, do EUI. "(Há) o risco de que a democracia se reduza ao domínio de uma maioria que não respeita as minorias, e torne-se mais autoritária e menos plural."

Mentiras verdadeiras

Em tal cenário, a informação - o terceiro elemento disfuncional, de acordo com os especialistas consultados - desempenha um papel crucial.


A Image copyrightTHINKSTOCK
Image captionA "bolha informativa" é um dos pontos que prejudicam a democracia, dizem os entrevistados

"Para funcionar adequadamente, a democracia requer o consentimento informado dos governados", diz Klaas.
"Hoje temos um monte de meios para escolher, mas as pessoas tendem a fechar-se em recintos ideológicos aos quais são afins, nos quais ouvem seu próprio eco."
De acordo com Klaas, a isso se soma o fato de que as redes sociais facilitam a difusão de notícias falsas: "a democracia sofre ainda mais", acrescenta.
"Os governos enfrentam o problema de que os cidadãos não conseguem distinguir entre fatos reais e fabricados. E em uma democracia assim, os resultados da votação podem tornar-se imprevisíveis, como aconteceu, em parte, com Trump e Brexit".

E o futuro?

Dadas as dificuldades que enfrentam as democracias ocidentais hoje, os três pesquisadores ouvidos concordam que esta antiga forma de governo deve ser reintroduzida.
"A democracia deve ser defendida vigorosamente como um princípio fundamental e, acima de tudo, repensada em muitos aspectos", diz Federico Romero, do EUI.
De acordo com Romero, para sobreviver e prosperar novamente ela deve voltar a ser capaz de resolver mais eficazmente problemas como a pobreza, a desigualdade e o desemprego.
Professor David Held, da Universidade de Durham, concorda. Em sua opinião, o principal desafio para as democracias ocidentais é "alcançar resultados concretos para os setores alienados em um mundo globalizado, onde multinacionais, lobbies e a internet têm cada vez mais poder."
Para Held, seria "estúpido" não ouvir aqueles que em 2016 votaram a favor do Brexit e de Donald Trump.
"Sua aparição na cena política é uma lição a ser aprendida em vista das eleições de 2017 e dos anos seguintes."

Fonte http://www.bbc.com/portuguese/internacional-38447192