Essa é, afinal, a novidade que está sendo pouco considerada
no debate político, atualizado pela morte de Hugo Chávez. Mais que vencer
discussões, interessa solidarizar-se com o povo venezuelano na busca de novos
caminhos.
Hoje, ainda vigoram antigas polaridades e uma nomenclatura
do século passado: populismo, neoliberalismo, estatização, privatização,
caudilhismo... Esses termos expressam realidades e significados ainda presentes
em nossos sistemas políticos, como feridas abertas ou cicatrizes recentes. Mas
a superação das fragilidades de nossa democracia, sua inserção definitiva na
cultura, sua universalização, não acontecerá só com a derrota de um dos polos
em disputa, a eleição de um novo líder ou a ascensão de um partido. Ela será,
sobretudo, obra da sociedade, fruto cultivado de sua determinação.
Conversei com líderes estudantis que agitaram o Chile e
trouxeram à política latino-americana algum alento contra a estagnação. Também
me reuni com um coletivo de jovens do Techo ("Um teto para meu
país"), organização que tem incríveis resultados práticos na superação da
miséria em vários países. Um grupo que desenvolve o mesmo projeto em São Paulo
participou da reunião e me fez perguntas por vídeo. As fronteiras, definitivamente,
não são mais as mesmas e esses jovens mostram que seus sonhos de democracia são
bem maiores que as nossas urnas.
As novas experiências políticas não são só virtuais,
espalham-se no tecido social e geram mutações reais. Também não cabem num
recorte setorial: são econômicas e culturais, sociais e políticas, ambientais e
éticas. Os jovens do Techo começaram construindo casas e logo viram que era
necessário trabalhar com educação, saúde, informática, tudo. Muitos projetos
que vemos no Brasil começam com arte, esporte ou uma ação social e logo
diversificam suas ações. Atuam tanto na comunidade quanto na esfera
institucional, sempre dando visibilidade e fazendo contatos nas redes virtuais.
É nessa nova superfície que se inscrevem os projetos
identitários contemporâneos, a democracia emergente, em que a sustentabilidade
política do futuro se assenta. Seu debate, amplo e profundo, supera os limites
do modelo representativo atual para se dar em novos termos e novas linguagens,
que só podem ser percebidos por uma escuta mais atenta. E o mais, quem viver,
ouvirá.
Marina Silva, ex-senadora, foi ministra do Meio Ambiente no
governo Lula e candidata ao Planalto em 2010. Escreve às sextas na versão
impressa da Página A2.
Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/colunas/marinasilva/1242669-se-nos-deixam-falar.shtml
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