A função do médico é preservar a vida do
paciente, de modo que qualquer conduta que vá contra esse princípio é
condenável. Essa é uma ideia simples, cativante e errada. O mundo é um lugar
bem mais complexo e nuançado do que sugerem nossos esquemas mentais.
É mais do que bem-vinda a resolução do Conselho Federal de
Medicina (CFM) que faculta a pacientes registrar em seus prontuários os
procedimentos aos quais não querem ser submetidos. Em tese, isso lhes permitirá
evitar intubações, choques elétricos e outras técnicas invasivas que podem
prolongar a agonia do doente terminal. É uma medida necessária, mas que chega
com décadas de atraso e apenas arranha o problema das decisões de fim de vida.
A dificuldade maior é que as fronteiras entre a ortotanásia
(não aplicar tratamentos fúteis, atitude que o CFM aprova) e a eutanásia
(quando o médico toma medidas que aceleram o óbito, legalmente considerada um
homicídio) são tudo, menos claras. Frequentemente, a fim de evitar que o
paciente sinta dor, faz-se necessário elevar o uso de sedativos. Só que uma
sedação mais profunda favorece o surgimento de complicações fatais. Se as
drogas utilizadas forem da classe dos opioides, elas podem provocar diretamente
uma parada respiratória. Em que medida o médico precipitou a morte? E, se não o
faz, é legítimo deixar o paciente sofrer?
Tentar responder a esse tipo de questão é um exercício
metafísico que até pode ser intelectualmente estimulante, mas que não produzirá
critérios inequívocos de decisão.
Minha sugestão é que abandonemos toda metafísica e
estabeleçamos de uma vez por todas que cada qual é dono de sua própria vida,
podendo dela dispor como preferir. Isso significa que, se quiser, o paciente
deve ter o direito de receber doses letais de sedativos e analgésicos. O bonito
dessa solução é que, ao não impor crenças externas a ninguém, maximiza a
liberdade de todos.
Autor: Hélio Schwartsman é bacharel em filosofia
31/08/2012 - 03h30
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